PREVISÃO

O futuro será uma noite fria.

Apenas uma noite fria

e solitária

onde nos encontraremos ansiosos

para esperar o amanhecer

em torno de uma fogueira e

desencontrados do mundo.

ALÉM DO FIM DO ANO

Pouco importa se hoje é natal,

depois fim do ano,

ou, tavez, fim do mundo.

Sei que o passado

não passa,

que o tempo é uno,

e que carrego dentro de mim

todas as marcas de ser

em um devir absoluto.

Sou ainda a criança 

que morreu em meu corpo

para parir o adulto,

o velho, e a morte.

Sou a lembrança do amanhã

que arde dentro de mim

como um futuro impossível

no definitivo esquecimento do passar dos anos.

SEM ILUSÕES

Trago as marcas do impossível, 

as cicatrizes de amores perdidos,

e de todos os silêncios que me disseram a mudez do mundo.

Sou feito de interdições,

impotências, limites,

e desistências.

Mas nunca me iludi,

nunca esperei ser feliz.

Meus caminhos não carecem de destinos,

nem minha vida de vitórias ou soluções. 

Vencer é a ilusão  dos fracos.

O JOVEM NA FOTOGRAFIA

Tenho saudades de quem eu era,

ou pensava ser,

nos dias intempestivos de juventude.

Mesmo que haja um desencontro

entre o eu e a fotografia,

entre o passado, a memória,

e a nostalgia. 

.

EXÍLIO ÍNTIMO

Saudades me calam o tempo.

Muitas ausências habitam a casa

onde me tranco em silêncio,

indiferente ao imediato e o agora

que decora as ruas.

Cada canto canta memórias,

afetos, e sonhos,

de uma época perdida

que mora em meus pensamentos

como um país  estrangeiro

onde meus pés se perderam.

Mas o passado é sempre outro

na imaginação de um impossível e antigo futuro

que não  cabe em qualquer amanhã. 

MEU LUGAR

Meu lugar na vida

é o infinito de um grão de areia.

Pois o mundo é do tamanho do meu sentimento

e não  cabe no pensamento,

do mesmo modo que o mar

não  cabe em um grão de areia.

SOBREVIVÊNCIA E CETICISMO

Não  guardo vestigios

dos meus antigos sonhos

de felicidade.

Aprendi a ser pragmático,

a viver, pura e simplesmente,

de realidade.

Há algo de feliz em ser triste,

embalado pelo mais transparente ceticismo.

Reconheço os limites do meu existir banal,

todas as minhas impossibilidades,

e me conformo aos meus silêncios,

sem esperar reviravoltas ou milagres.

Sobreviver a mim mesmo

é meu único  objetivo

contra o tempo que me ensina

a morrer sem motivo.

LUTO E MUDANÇA

A vida não  é mais a mesma.

Alguma coisa quebrada decora  agora

os meus dias.

Já não sinto,

nem quero,

como antigamente. 

Nem mesmo espero futuros.

Tudo em mim é passado,

nostalgia de ser,

 pois a vida não é a mesma

e eu não  sei mais quem sou.

Só sei que alguma coisa mudou,

quebrou, morreu,

ou me enterrou.

O que importa?

sou apenas aquele rosto solitário 

que ainda vive além das fotografias

do antigo álbum de familia.

A vida mudou e a casa está vazia.

DEFINIÇÃO DE AMOR

O amor é tudo aquilo que dói. 

É tudo aquilo que nos faz sofrer,

que nos arranca de nós mesmos

na aventura do outro.

SOCIALIZANDO A SOLIDÃO

Frequentar redes sociais é aprender a falar sozinho,

construir monólogos, ser invisível pela exposição, e gritar o silêncios. 

No mundo virtual  escutamos apenas aquilo que tomamos como eco de nossa própria voz.

SOLIDÃO VIRTUAL

Diante da tela estamos todos sozinhos e vazios de nós mesmos.

Nos tornamos nosso próprio artifício,

nosso maior simulacro,

nossa mais potente ficção.

METAFÍSICA DIGITAL

A doce burrice dos smatphones

mobiliza corações & mentes

reduzindo a vida a propaganda.

Tudo agora é artificial,

através das inteligências das coisas.

Toda opinião ou sentimento é banal no mercado das emoções.

Nossa humanidade desfila na tela de um comércio virtual

onde nossos rostos estão a venda.

Os dados falam nossos silêncios.

Ninguém mais tem razão 

e a verdade não passa de um raciocínio binário 

onde não  importa a conclusão. 

O mundo é  fluxo e incerteza,

uma equação sem solução. 

Melhore sua performance,

tenha um melhor desempenho.

Morra de forma saudável.

ROTINA E ESQUECIMENTO

Esquecer o dia de hoje,

todos os rostos sem nome avistados na rua,

o café da manhã,

as escolhas do almoço, 

o vazio da tarde morna,

os diálogos inúteis

onde ninguém diz nada,

e o abraço forte da noite

que nos silência.

Esquecer o lixo deixado na calçada,

as pratileiras do supermercado,

e as mensagens no telemóvel. 

Simplesmente esquecer,

ser apagado pelas próprias pegadas,

como se não tivesse existido

ou, simplesmente, desistido,

afogando-se no vazio

do sem sentido de um dia mais banal que um sorriso  de fotografia.

NO MEIO DO CAMINHO

No meio do caminho

havia uma flor semi morta

oferecendo ao pé um espinho.

Talvez, fosse o fim do caminho,

um convite a um jardim,

ou um sinal de deserto.

Talvez, fosse apenas um silêncio,

uma dor, um vazio

que se confunde com o caminho.

DESENCONTRO VIRTUAL

O imaterial contato virtual tem se tornado a mais perversa expressão da ausência. Pois faz do outro um fantasma, uma caricatura de si mesmo, na simulação de um encontro.

Nunca foi tão difícil estar realmente com alguém em um mundo onde os espelhos já não  refletem o rosto, mas o inventam como avatar.

CONTRA EXISTÊNCIA

Minha existência não atende pelo nome de vida

e nem se quer se conforma a consciência de um rosto. 

Ela tem sido qualquer outra coisa

além do consenso da multidão. 

Algo sem nome, assignificante,

sem verbete nos dicionários.

Ela é uma espécie  de queda perpétua de um corpo que nunca superou o parto

e busca o mar por instinto.

Minha existência é um estado falsamente infinito

 de medo e de espanto.

TEMPO MORTO

Meu tempo é ontem.

É sempre o distante,

da velha casa

que sobrevive na fotografia.

É a dor do instante

da presença fria das cinzas

onde antes um fogo ardia.

Meu tempo é o silêncio,

o esquecimento,

a inércia do que jaz desfeito.

MORRER DE PASSADO

Tudo que foi vivido

está perdido,

mas ressurge como ferida

através da nostalgia,

já que envelhecer é adoecer de tempo,

é morrer aos poucos

 através da saudade

que nos transborda,

nos transporta,

a intimidade dos dias antigos.

 

 

AMOR LIVRE

Amor não tem gênero,

O corpo não tem rótulos,

e a vida não  exige

comprovante de identidade.

Toda forma de amar 

é um ato de liberdade,

de busca pela felicidade

irredutível a qualquer binarismo.

MUITO ALÉM DA FELICIDADE

Tenho sonhado amores perfeitos,

finais felizes de sessão da tarde,

que não  cabem na realidade. 

Imagino o tédio da felicidade,

o quanto o ideal

contraria a mais profunda lei do desejo:

Não  te contente com a felicidade,

busque sempre o além do horizonte.

ÚLTIMO DESEJO

Espero antes do fim dos meus dias

reencontrar a inocência da infância, 

a ignorância mais sublime,

que os animais nos ensinam

e o mundo nos obriga a esquecer.

Não esperar nada do futuro,

viver de acasos

cultivando preguiças.

Ser livre, leve e solto,

sem saber de obrigações ou destinos.

Espero antes do meu último dia

aprender a vida além de todos os adjetivos

e ser feliz contra o tempo e as misérias do mundo.

VELHOS AMIGOS

Levo comigo algumas ausências.

Memórias de sobrevivência,

de encontros e de resistências.

Lembro velhos amigos

que partiram da vida 

e habitam agora o infinito

da minha saudade.

Parte de mim se perdeu com eles.

Outra segue em homenagem.

A FRAGILIDADE DO ENCONTRO

É preciso ter tempo

para estar junto do outro

contra a solidão e o tédio 

antes que o tempo,

a morte ou o mundo,

nos separe para sempre.

Tudo que importa é estar junto,

antes que seja tarde demais.

O CORPO E A LINGUAGEM DO SILÊNCIO

O silêncio nos fala mais do que a voz humana. Aprender a escuta-lo é desconstruir todos os discursos, saber o inaudito do inverossímel, a realidade como ficção e solidão, na composição do gestos.

O corpo fala mais que as palavras que trocamos uns com os outros na confusão dos sentidos atravessados pela impessoalidade de uma vontade selvagem.

AMOR E ILUSÃO

Ama quem ignora o outro,

quem não vê seus defeitos,

limites e erros,

de tão carente de si mesmo.

O amor não  admite o que é imperfeito,

ignora evidências,

entre o delírio e o desejo.

CONTRA O CASAMENTO

Amar não traz felicidade.  

Amar é perder a alegria da solidão,

dilacerar-se entre o eu e o outro,

até que a morte os separe,

ou que o mundo os afaste.

NÃO  CASE!

TEMPO E SAUDADE

Muita gente

levada pelo tempo

ainda me habita

na comunhão da vida.

Suas ausências 

me preenchem 

e ampliam a existência. 

Sou o resultado 

de muitos encontros

e despedidas

enquanto os anos

me transformam

lentamente em adeus.

O futuro é sempre tarde demais.

AMORES MORTOS

Meus amores ficaram no passado.

Não tinham fôlego

para o futuro.

Eram delicados demais.

Não suportaram a realidade. 

Morreram todos prematuramente

antes da primavera.

AMOR & SAUDADE

A saudade é o amor em estado bruto. É um doer fora da gente, uma vertigem de vida que escurece a vontade, que torna tudo insuficiente e nos deixa indiferentes a própria existência, visto que ser não cabe em si mesmo, e se desvanece na morte do outro.

NOSTALGIA

Faz não sei quanto tempo que o tempo quebrou.

Tudo em mim virou passado,

urgente e futuro,

no impossível da vida.

Hoje, amanhã....

pouco importa.

É sempre ontem

no resto dos meus dias.

Dentro de mim,

o passado ainda não passou.

Chamam isso de nostalgia.

Mas conheço como o atemporal

da mais amarga poesia.

Todo adulto é o cadaver de uma criança feliz.

NINGUÉM É O QUE PARECE SER

O olhar do outro é um espelho perverso. Sempre nos oferece uma imagem distorcida de nós mesmos. Mas quem pode dizer que sabe seu reflexo verdadeiro ? Somos irredutiveis a qualquer identidade, pois somos múltiplos e indeterminados. A inconsciência rege nossos afetos e ações. Nunca acredite em autodefinições ou confissões .

PESSOAS SEM MUNDO

As pessoas seguem desencantadas da vida,

consumindo  banalidades 

Elas vivem abaixo do cotidiano.

Pouco sentem ou percebem

além do imediato dos subterrâneos.

Sabem apenas a sobrevivência crua

dos boletos, horários, da ordem pública.

Para elas o mundo é simples, 

menor que um ovo,

no tempo do sempre igual

que os relógios inventam.

O mundo não lhes interessa.

O mundo, para elas,

é mera quimera,

uma grande ilusão

no simulacro da existência. 

O JOGO DO AMOR

O amor é um jogo de regras incertas. Nele todos nós perdemos. Mesmo quando  saboreamos  vitórias. 

Ninguém gosta do fim de um jogo tão viciante. Mas ele, de uma forma ou de outra, sempre chega ao fim, como qualquer outro jogo. Nenhum relacionamento é eterno.

METAFÍSICA NEGRA

O banzo é maior que a saudade.

Remete a nostalgia de um tempo impossível 

onde todos estão vivos e mortos,

no mais intenso da memória.

O banzo é um delírio,

o sonho de uma história, 

de uma vida coletiva, 

que comunica todas as épocas

em um mesmo sentimento de natureza e mundo.

Ele é o não lugar de todos os lugares,

de todos os corpos,

que nos habitam e anunciam outros,

através de passados, presentes,

e futuros confundidos por um eterno e feminino retorno

da terra dentro da terra

em pulsão ancestral e atemporal.

O banzo é a potência do nada

contra o silêncio absurdo do tempo presente.

Ele é um desenraizamento absoluto.

SOLIDÃO E MEMÓRIA

Toda companhia possível 

habita o passado.

Meus grandes laços

foram desfeitos.

Seja pela morte,

ou pelo destino.

Guardo abraços e beijos

na memória,

lembranças de dias de sol

e casa cheia. 

Longe de todos os outros

onde encontrei abrigo,

pouco de mim existe agora

no minguar das minhas histórias. 

Sei que o passado,

aos poucos,

também me levará embora.

A BANALIDADE DA EXISTÊNCIA

A existência me escapa

nos labirintos do coletivo.

Quem eu sou?

Pouco importa.

Muitos também  são. 

Ser alguém é banal

em meio a impessoalidade da condição humana.

Ninguém vive para sempre.

Mas a vida sempre continua

na banalidade da existência. 

O OUTRO

Somos formados,

modificados,

e movidos pelo outro.

Ele é parte de nós

e também uma busca,

uma meta inalcansável de completude.

O outro é múltiplo, 

indeterminado,

e quase inatingível.

Mas estamos sempre conectados.

Todos nós somos o outro.

REACIONÁRIOS

O tempo devorou tudo que fomos e vivemos.

O mundo já não é o mesmo,

e não nos serve de espelho.

Pois ainda sentimos como antigamente.

Vivemos dos nossos passados

contra o vazio do tempo presente.

Jamais seremos possíveis novamente.

Amanhã não  seremos lembrados.

DESPEDIDA EM TEMPOS DE GUERRA

Guarde de mim uma boa lembrança

depois que eu partir 

em busca de alguma esperança. 

Lembra de mim como uma velha criança.

Pois o mundo agora é turvo

e tem ar pestilento.

Abrigue-se dele em nossas melhores memórias. 

Partirei em busca de algum futuro.

Mas talvez eu não volte.

Mesmo assim, não me esqueça.

Parte te mim ficará em teus sonhos,

enquanto outra se despede saudosa.

VIDA E ENCONTRO

A vida simples,

cotidiana e banal,

é realização de uma vontade

que nos atravessa através dos outros.

A vida é um vinculo impessoal,

um encontro incerto

entre o eu e o outro

através do tempo

que nos afasta.

QUANDO O PASSADO DÓI

Quando o passado dói

como saudade,

não há remédio

para memória que lateja,

Nem solução contra o tempo

que pacientemente

nos devora.

Tudo terminará em esquecimento.

Tudo passará brevimente,

e a vida seguirá indiferente,

nas asas de um passarinho.

SOMOS TODOS NINGUÉM

Ninguém está realmente sozinho, mas todos são solitários. 

Sei que ninguém sabe o mundo que vivi como ninguém. 

Ninguém jamais saberá da minha vida ou da minha intima experiência de existência.

Ninguém  ...

Do mesmo modo, nunca saberei de ninguém em meu modo próprio  de ser ninguém. 

NULIDADE BIOGRÁFICA

Não cabe em minha vida

toda essa gente

que por aí existe

em invisível exercício biografico.

Do mesmo modo,

minha vida não cabe no mundo,

no abismo de outras pessoas.

somos todos sombras no mundo.

PATHOS & COSMOGONIA

As dores são atemporais,

artesanais,

definitivas,

corporais,

adjetivas e substantivas. 

As dores movem o mundo.

Diminuem o homem,

expandem o universo.

Pois a natureza é conflito de forças,

encontros e confrontações.

Das moléculas as galaxias,

tudo é reação que inventa a ação.

Tudo é pathos.

A MORTE E O COMUM

A realidade é feita de pessoas,

de gente que cotidianamente

nos afeta

através de palavras e gestos.

Por isso, a consciência do mundo,

é a consciência  dos outros,

E cada morte, 

cada desaparecimento,

de um outro que nos compõe

como todos,

é um morrer aos poucos 

do nosso mundo,

na subtração de nosso próprio  corpo do possivel da  realidade.

ATRAVÉS DO DESERTO

Não sei para onde me leva o deserto.

Só sei que sigo sozinho e infinito

no provisório

da minha íntima eternidade.

Sigo indiferente,

com um riso preso na bagagem.

Estou por aqui de passagem,

existindo por mil caminhos

que não carecem mais de destinos.

ENTRE OS PÁSSAROS

Cantarei com os pássaros ao anoitecer,

a melancolia do fim de um dia banal,

em uma existência banal,

em uma época banal,

onde tudo se desfaz em nostalgia.

Cantarei com os pássaros,

sem a sorte de poder depois voar

entre eles,

na nostalgia de um passado

quase ideal.

SAUDOSISMO

Parece que foi ontem

aquele dia banal 

onde  hoje surpreendo

uma memória de alegria

onde havia apenas rotina e melancolia.

O presente encanta o passado

e inventa o antigamente

quando já não podemos

esperar muito do futuro.

ANSIEDADE

Ansiedade não é apenas um misto de insegurança, cansaço e tensões afetivas somatizadas. Ansiedade é, acima de tudo,  sucumbir a opressão dos fatos, abandonar a si mesmo, divorciar-se de um mundo que nos devora através de nossa própria fome.

AMOR IMPOSSÍVEL

Entre nós

sempre haverá um mundo,

uma urgência,

ou qualquer absurdo.

Nada será possível 

além do trágico do arrependimento.

Ninguém é feito para o outro,

tudo é efêmero dentro de um encontro.

Entre nós o mundo

será sempre

a metáfora de um adeus.

FALSAS ESPERANÇAS

No fundo,

não importa o quanto de deserto

define nosso cotidiano,

o quanto nos sentimos desamparados,

humilhados e aflitos, 

com as dificuldades de um dia a dia incerto.

Cultivamos, contra todas os vazios e incertezas,

 alguma esperança ingênua em qualquer possibilidade de um final feliz.

Não raramente, tal esperança,

tem a forma de um grande amor

que nunca chega,

de qualquer coisa

que o dinheiro não compra,

ou uma morte branda e libertadora.

Mas sempre há no horizonte o brilho de uma fantasia,

a aposta ingênua em qualquer  reviravolta expetacular que nos livre da realidade

em um quase passe de mágica.

Nunca admitimos que não nascemos para felicidade 

e que vidas perfeitas não existem,

mesmo quando os anos

seguem passando em branco

em meio a dificuldades e pequenas catastrofes.

A verdade é que

Nada faz sentido

 ou nos redime

 de nossa elementar insignificância .

A VONTADE CONTRA A REPRESENTAÇÃO

Aprender a nada querer

e escapar ao sofrer

é o unico modo

de libertar o desejo.

Realizar a vontade

 na recusa

do humano,

desaprender o mundo,

no delírio de si

contra toda representação,

nos livra da ilusão

de qualquer redenção.

Só o impessoal e irracional da vontade 

nos livra da falsa dicotomia

entre sujeito e objeto.

UMA INFELICIDADE A DOIS

Um vínculo afetivo é o exercício de um respeito mútuo,

ao mesmo tempo por si mesmo e pelo outro,

na valoração da duração de uma convivência.

Isso não sognifica harmonia ou companheirismo,

mas cumplicidade em um permanente estado de conflito e negociação.

Definirivamente, relacionamentos não são um caminho para felicidade.

O AMOR COMO LUTO

Viver é ter saudades da própria vida,

saber o passado mais real do que o futuro,

e o amor como uma ferida aberta na pele do tempo.

Existo nos que estão ausentes,

aos que se foram sem despedida,

e em meu vazio serão sempre presentes.

BREVE DEFINIÇÃO DE DESEJO

Não se deve confundir o desejo com uma forma de querer, como um sonho de poder e posse. 

Desejo é movimento, um devir outro, através do qual o interior totna-se exterior e as fronteiras entre o corpo e o mundo são ultrapassadas.

DESPEDIDA

É tanta gente que passa pela vida da gente,

que segue em frente, 

por outros caminhos,

 inventando destinos diferentes,

que me pergunto o que fiz do mundo,

ou o que o mundo fez da gente.

O fato é que a vida segue ,

e nunca nos veremis de novo.

VAIDADE

Cada um vive em seu próprio tempo,

em seu próprio mundo,

apegado a si,

no envelhecer do corpo,

como se o ínfimo de sua existência

comungasse do absoluto.

SUBVERSÃO METAFÍSICA

Existo por tudo que foi perdido,

pelo que foi impossivel,

pelo que nunca deu certo,

e sempre foi proibido.

Vivo pela utopia de um desejo indiscreto

e em nome de todos os inacidos.

Sei que a vida é uma ferida no tempo,

um erro bem sucedido.

Aconteço naquilo que carece de nome.

AMOR E POESIA

Mede- se o amor

pelo tamanho da dor

de uma perda,

não pela futilidade

de encontros e beijos.

Sabe o amor quem vive de nostalgia,

de solidão, saudade, e poesia.

Amor é dor.

Esta pode ser

uma rima fraca,

mas é ela quem guarda

a essência desalentadora

da mais profunda poesia.

CONTRA IDENTIDADE

O desaparecimento do outro corrompe a vida comum, nossas subjetividades, cada vez mais prisioneiras do eu como ilusão de experiência,

como lugar de consumo, de falsa urgência, diante do desabrigo de um mundo que nos impõe a sobrevivência como matriz de todo sentimento de uma  vida possível. 

Contra nossa própria necessidade, sucumbimos a nossa vontade de mundo, ao silêncio que nos afirma como viventes no duvidar do outro.e de nós mesmos.

.

QUASE GUERRA CIVIL

 

O princípio de eros não mais governa nossos afetos.

Convivemos em dissidências.

Todos estão contra todos.

Cada um inventa dentro de si mesmo

sua própria horda primitiva.

São tempos de confrontações

sem conflito

onde a verdade é um delírio

contra uma realidade ilegível.

ADULTOS

Adultos não amam,

Apenas fogem da solidão.

Tentam não ficar sozinhos,

Cientes de que a vida

é um caso sem solução.

Adultos são vaidosos,

carentes e absurdos,

escravos dos próprios erros.

Adultos nunca sabem o que fazem,

são lacaios de aparências

e necessidades,

na incapacidade de lidar com o desejo.

Adultos não sonham

e nem sabem o que sentem,

são sombras débeis de suas infâncias.

Há quem diga que eles se quer existem

e que virar gente grande

é um modo de adoecer pra vida.

AMOR LIVRE

O amor é encontro sem laço,

uma evasão de si e do outro

através do prazer do corpo.

Ele não cabe no beijo,

no desejo,

ou na saudade.

Transcende palavras,

jestos e formas,

entre os que compartilham

a vertigem de um nada

na intimidade de um vazio comum.

A SOLIDÃO DA INFÂNCIA

Quando criança 

sabia eu ser sozinho

e povoado por imaginações. 

Mesmo quando  via

aquela menina no portão.

Pois ela também era sozinha.

Todas as infâncias são solitárias

contra a rotina vazia

da vida adulta que a conforma.

Mas meu mundo era o desenho 

do rosto daquela menina

que a minha solidão dava forma.

O AMOR NÃO AMA

O amor não ama.

Todos seguimos sozinhos,

todos morremos sozinhos.

Amar não cabe na alma.

A alma não existe.

O amor é nosso limite.

QUASE UMA LEMBRANÇA

Nada sei sobre sua vida.

Nunca te conheci.

Seu nome não me importa.

Entretanto, você  me diz

outra pessoa 

que habitou meus dias de criança. 

Enxergo através  de você 

a sombra de alguém

que não mais conheço, 

que saiu da minha vida

quando era muito cedo,

quando eu ainda não  era eu

e todo mundo era ninguém 

na indiferença e indeterminação

das amizades da infância. 

AO INFERNO TODOS OS FUTUROS!

 

Exausto dos meus futuros

e apagado dos meus passados,

sigo pelo incerto e renovado instante de agora

onde meu coração ainda bate no peito

Sempre a mesma e outra batida,

onde nada que acontece é real

ou me encanta.

Que se danem todos os futuros da Humanidade!

AS DUAS PARTES DE MIM

Sem adeus ou despedida

muita gente  partiu da minha vida

me deixando perdido

entre memórias, silêncios,

e futuros partidos.

Parte de mim anoitece nos dias ao sabor das ausências, 

outra se deita com a morte todas as noites.

 Desfeito entre elas sigo fendido

na consciência de abismos.

.

COMPANHIA

Qualquer pessoa serve para povoar meus dias.

Não precisa ter nome, posses ou inteligência. 

Não precisa concordar comigo,

ser cúmplice das minhas fraquesas ou condecendente com meus limites e erros.

Não  precisa se quer ser humana. Nem precisa ser uma pessoa. É  até melhor que seja um bicho; qualquer animal intuitivo e afetivo que quase não me reconheça no compartilhar incerto do mundo.

DA SUPERIORIDADE DA AMIZADE

Enquanto o egoismo do amor aproxima e afasta pessoas, a amizade edifica laços de cumplicidade e apoio mútuo. 

É através da amizade , enquanto pratica politica e cotidiana que inventamos o comum, compartilhando mundos é experiências. 

AMOR E FOME

A fome é a mais radical forma de amor. Aquela que corrompe o pensamanto e a vontade; que em estado bruto de necessidade, expressa o corpo  e a vida como um apetite insaciável , ela é  aquilo que na composição do eu e do mundo, faz da necessidade motor de todo movimento e vontade.

TANTO FAZ

Tanto fez,

tanto faz.

O mundo ainda é  o mesmo

e temos problemas demais.

O amor dos mortos

alimenta a vida que resta

em um amanhã de saudades eternas.

Mas tanto faz,

tanto fez.

É sempre tarde demais.

EXISTIR E VIVER

Existir é estar entre os outros.

Mas viver é  saber-se sozinho,

abandonado a si mesmo ,

sem qualquer certeza do mundo.

Existir é facil,

viver, ao contrário, 

é  quase impossível. 

O EU, O CORPO E O OUTRO

Entre o meu corpo

e o corpo do outro

reinvento narciso

no espelho quebrado

de um eu partido. 

Pois o corpo é sempre mais intenso,

mas concreto,

do que o eu

que nunca cabe no rosto

e se ilude infinito.

Entre o meu e o teu corpo

há sempre a sombra de um outro

que apaga em nós o rosto

enquanto dança feito borboleta

entre as almas das coisas.

Qualquer diálogo é impossivel

onde tudo é a sombra de um outro corpo

fora do tempo e do espaço.

NATURALISMO

Faz anos que não  visito um jardim,

que não converso com flores

ou escuto a reclamação das arvores.

Faz muito tempo que não me revolto com o vento,

que não  deito na grama ao teu lado,

e me esqueço do mundo,

das letras e regras,

embriagado pelos arcaicos silêncios do teu perfume.

Mas ainda brilha em meus olhos 

uma luz selvagem,

um encanto de natureza,

e vontade de tempestades.

Ainda me lembro de nós

atirando pedras nos telhados

em protesto contra o por do sol.

SOLIDÃO E DEPENDÊNCIA

Na medida em que nossa presença e existência no mundo  são  definidas por um corpo e uma consciência própria, somos naturalmente todos solitários. Mas, se a vida acontece através  de diversos relacionamentos, é  também  verdade que a solidão não é  a mesma para todos. Cada um em sua história de vida é consequência dos outros, dos seus encontros e desencontros. O mais terrível  da solidão é a percepção de que não somos auto sufientes, mas, ao mesmo tempo, não podemos contar ou depender inteiramente dos outros. Todo relacionamento é  por definição conflituoso, insuficiente.

VÍNCULOS

 

Cada vínculo humano e inumano

é físico, afetivo e instável.

Todo laço é provisório,

parasitário.

Um devir outro

que nos transforma,

transborda e supera.

Todo vinculo ensina a morte.

A MORTE DOS OUTROS

 

A solidão é a morte dos outros,

sobreviver a todos,

em um tempo que já não é o nosso.

A solidão é um desencontro com o mundo

e com a vida

no estranhamento do urgente

que estabelece o agora.

A solidão é não mais se reconhecer

nos outros.

O OUTRO QUE HÁ EM NÓS

O outro é o que sei dele 

contra tudo que ele sabe de mim.

Entre nós qualquer intimidade é  impossível 

pois dentro de nós há sempre

um desconhecido.

MUNDO REAL

 

Ninguém vive de amor

ou se alimenta de sonho.

 Vivemos de pragmatismos,

egoísmos e hipocrisias.

O poder e a força definem o jogo social

Onde o amor não passa de retórica vazia.

PALAVRAS NOVAS

 

Palavras recém nascidas

tem cheiro de amor.

Mas nada sabem de amar.

Pouco importa seu significar,

elas não dizem nada a vida

que segue cética e em silêncio.

MUNDO E MUNDOS

Sei o mundo através das pessoas que amo. E cada uma delas me diz um mundo diferente. Juntas elas me ensinam o universo.

Amar é ser no mundo dos outros, é  inventar-se errante. habitante do a acaso do céu dos outros.

EXÍLIO

 

É triste viver de saudade,

fazer do passado uma casa

do lado de fora do chão e do agora.

É triste saber a solidão como exílio,

como distância daqueles

junto aos quais aprendemos o amor.

VIDA COMUM

 

Cada um é outro

nos encontros que fazem a vida.

Pessoas mudam pessoas.

Ninguém cabe em identidades

ou rostos.

Somos uns nos outros

qualquer forma coletiva e intima de ser

na invenção de uma vida comum.

AMOR PRÓPRIO

Ama-se alguém de verdade

apenas quando  ausente.

pois amar é o silêncio do eu 

diante do vazio de um espelho

que lhe roubou o reflexo.

Todo amor é  amor próprio .

O outro do amor 

é uma projeção de si mesmo.

A VIDA COMO DOENÇA

Não  espere muito dos dias.

A vida é  uma angustia,

uma ferida que não  cura,

em um corpo que definha

na medida que respira.

A vida é  pathos....

MORTE PREMATURA

Meu amor morreu prematuro.

Nasceu sem vida.

Não  soube o mundo.

Seu cadaver apodreceu a céu  aberto

para a alegria dos urubus.

AMOROSIDADE TRANSGRESSORA

O mundo louco do teu riso

ainda ecoa em meu delirio.

Tudo em nós era transgressão, 

agressão gratuita a realidade vivida,

uma busca de suicidio

e renascimento,

trababordande no desejo

em franco excesso niilista.

CORPO EM FUGA

Ainda que seja tenso o movimento

do corpo na rua

preso ao momento, 

é preciso fugir a concretude do instante, 

inventar um destino que escape

ao previsivel dos passos.

Há sempre um bar,

uma praça ou um jardim

que foge a ordem das rua reta.

Qualquer afeto que nos busca no vento,

um desfazer do eu na vida em movimento.

Há sempre uma oportunidade de fugir a si mesmo,

ser um outro no espelho de qualquer janela.

INDIFERENÇA

Ninguém se importa.

Ninguém importa.

O mundo segue

e cada um sabe de si,

não sabe de nada.

O que importa?

Vida é apenas uma palavra gasta.

Ninguém existe.

Tudo é  signo, linguagém

e símbolo.

PRIVACIDADE

Ninguém saberá dos meus dias,

das minhas angustias e agonias.

Serei entre os outros

o mais fosco dos desconhecidos.

Não  farei confissões em redes sociais,

não  beberei com amigos.

serei sempre descreto,

quase invisivel.

Escaparei totalmente a opinião  dos outros.

O LONGE

Ainda vou saber onde fica o longe.

O longe maior que o distante

donde ninguém volta,

onde ninguém chega,

mas alcança

na experiência do caminho.

O longe que liberta,

que atravessa a vida,

escrevendo o nada

na escuta  do silêncio.

Quanta solidão 

e desabrigo 

cabe na errância do longe?

Existo para não ser,

para não  saber,

não  conhecer,

dentro do longe,

todos os banais equivocos,

que sustentam a ilusão  de viver.

Do longe de mim 

sigo avançando para o longe dos outros

sem nunca saber o quanto estou longe.

AMOR É SAUDADE

O que dói é viver na vida

tantas despedidas.

Acumular saudades

enquanto a existência  definha

O amor é saber a ausência,

é querer mais o passado

do que o futuro

através  dos silêncios 

do tempo presente.

CULPA E DESTINO

Sei que sou responsável pelo mundo que me destrói,

pela lenta e diária morte da humanidade.

Sou culpado por ser incapaz  de fugir,

por não escapar a vida comum, 

por não ser diferente de quem me tornei.

Sou culpado por ter  sido educado,

normalizado e vestido de multidão para sobreviver.

Sou culpado pela solidão  de todos,

pelo absurdo dos outros,

que me faz ninguém. 

DESALENTO

 

Talvez fosse melancolia

aquele seu olhar perdido

no meio da praça

deitado no nada.

 

Talvez fosse só melancolia,

e não este fatio,

este limite,

que de repente,

do nada,

nos desmonta

e mata aos poucos.

SEGUIR EM FRENTE

 

Ainda que a vida siga,

sempre precária na aridez dos dias,

é preciso inventar qualquer alegria

nas horas mortas da tarde

contra toda melancolia.

Mesmo sem qualquer ilusão de esperança,

é preciso colorir palavras e discursos

para decorar nosso existir danificado

a sombra de mil distopias.

Evitemos o estranhamento e o assombro

que tanto nos consome.

Sejamos duros como as pedras,

resignados como as folhas,

e indiferentes como o vento.

 

A INDIGÊNCIA DOS PÉS

Meus pés firmes no chão 

ignoram o céu. 

Apenas inventam caminhos

sem qualquer ilusão de destino.

Meus pés recusam o sapato.

Preferem a nudez e a terra.

Sempre procuram a felicidade

de estarem sujos de vida, 

 encontros e indigências,

contra a higiene dos pisos, calçadas e tapetes.

OS LIMITES DO ROSTO

Sofro a angustia de ser apenas meu rosto,

quando em mim existem muitos,

na composição  virtual do meu ser mundo,

de saber muitos.

Um eu não  bastará nunca a intensidade de ser, viver e querer.

SOBRE A ILUSÃO DE SI

O drama de Narciso é  a impossibilidade de alcançar sua propria imagem, de se unir a ela amorosamente. Desta forma, ele personifica o pathos da identidade e do complexo do ego.  Ser identico a si mesmo contra o devir do seu proprio existir como corpo, como composição  de corpos, na materialidade de seu proprio acontecimento como vivente, estabelece   a utopia de um corpo imaterial e abstrato como autenticidade . O ideal de si como uma entidade autonoma e portadora de vontade ( livre arbitrio), dotada de voz e potência, é a grande ilusão da subletovidade moderna fundada pelo cogito.

MICROFISICA DO SUBSOLO

A experiência da semente 

é  mais interessante que a existência da àrvore,

mesmo que suas raìzes digam o contràrio.

É  a semente quem inventa a vida na ignorância da àrvore que existe nela como virtualidade....

Ambas, entretanto, são  atores de um mundo subterraneo de ricas e fecundas microfisicas.

COMO UMA ONDA NO MAR

Aqui me declaro indgnado.

Estou farto de ver todo dia

seu nome gritando no mar,

ameaçando me carregar

no abraço de qualquer onda.

Justo eu que não  sei nadar.

PASSADO E MEMÓRIA

Normalmente o passado é  uma prisão. 

Ele nos confere identidade e nos conforma

a qualquer ilusão  de rosto 

que é  estranho ao perecivel retraro do espelho.

Ao memória,  ao contrario,

é  sempre atual. 

Nunca é  a mesma,

nunca é  simples recordação.

Mas atualização constante de nós mesmos

na contramão do tempo vivido.

O QUE É UM VÍNCULO?

Vínculo remete a relação e a positividade criativa de uma co-dependência. Desta forma, é  também encontro, co- determinação, compartilhamento da existência.

Vínculos nos afirmam identidades, referências, sintonias, um campo de trocas e transformações.

Mas nenhum vinculo é absoluto. Pois o outro vinculante é o exercício de um modo de acontecer a si mesmo. A intimidade funda um distante, um para mim do outro que não  é  o outro em si. Dentro dos vínculos existem solidões,  monólogos e silêncios. Mas, antes de tudo, há uma duvida de si, uma auto negação que permite uma identificação com aquilo que é fora, que aconte  na pele. Mas o Vínculo não é dialético. Ele não  é  um jogo entre o eu e o outro, mas, pura e simplesmente, uma ausência de si que preenche.

SEPARAÇÃO

Na vida tudo é efêmero e provisório.

Tudo foge, 

escapa.

A própria existência é duvidosa.

O ser é sempre um outro,

um lado  de fora 

uma distância,

um nó que desata.

Tudo é separação.

 

O FIM DA JUVENTUDE

Juventude é  um conceito que envelheceu precocimente. Já não  há  mais jovens como no século XX. A maturidade tornou-se obrigatoria para todas as idades da vida. Os  jovens já não  sonham mais. No jogo das adaptações e sobrevivencias impostas pelo acontecer social, abdicam cada vez mais do lúdica é da expontaneidade.

CORPOREIDADE

Um corpo é  um campo de acontecimentos,

encontros e movimentos,

que afeta e é  afetado.

Ele é  algo que persiste 

como exterioridade

que inventa um dentro.

Ele contem e é  contido

na medida em que cria

a si e ao mundo

como acontecimento de corpos.

METAFÍSICA DE UMA SAUDADE

Faço da minha saudade

um protesto contra o tempo,

contra o incerto de cada momento,

fatalmente incompleto.

Não  me conformo ao finito 

ao silêncio da eternidade.

Pois o efemêro que há em mim

contem todo universo como metáfora.

Sei na prisão de um momento desfeito

o acontecimento de uma vida inteira.

OS OUTROS

Os outros estão  em todas as partes.

São a vida selvagem do sem fim do oceano gritando

contra a ilha do eu.

Os outros afirmam que minha vida é banal,

que ninguém é importante,

realizando o mundo

contra si mesmo.

ANOITECIMENTO

A terra não gira

e o sol não brilha mais.

O mundo anoiteceu derrepente.

Estamos todos sozinhos em nenhum lugar.

A noite é absoluta

e a vida segue indomada

na imaginação das estrelas...

MORTE AMOROSA

O amor morre

para dar vida

a morte da gente. 

Tudo morre

E o amor é a  ausência, 

que não  é  falta,

mas presença  do assignificante

que expressa a incerteza

de nossa própria existência.

SOLITÁRIO NOTURNO

Dentro do eterno delirio

do dia sombrio do meu céu  no chão

sei que ninguém irá sonhar comigo.

Tudo na vida é  mera ilusão. 

Então  não me digam

que há outra forma de ser

além  da solidão 

do indeterminado acontecimento

do meu corpo nu e vestido de pensamento.

AS PERNAS DAQUELA MENINA

As pernas nuas da menina na rua

acordam o verão.

Esqueço de mim na visão dos seus passos

e vejo asas em seu caminho.

É  só uma menina na calçada,

mas há mais imaginação nos meus olhos

do que realidade no meu sentimento de chão .

TODOS OS MUNDOS

Cada pessoa na rua,

que como eu segue anônima,

realiza em sua existência 

um outro mundo  que não  conheço e, entretanto,

não é  tão  diferente do meu.

Não importa o quanto ilegível, 

distante e  insignificante,

ele me pareça.

Mesmo que entre nós 

não exista mais a ilusão 

de humanidade ou do universal.

Cada um em seu próprio mundo 

não é  senhor da realidade

e a rua é  feita de todos os mundos.

Todas as vidas se misturam 

no caos e tendem ao infinito

do acontecer presente.

HEDONISMO

Quero desaparecer

na embriaguez das formas e das cores.

Rasgar todos os Diálogos de Platão. 

Reaprender a filosofia do fogo.

ser outro num rio que nunca é  o mesmo

na intensidade da àgua e do corpo.

Quero aprender a terra como incerta matéria do ser.

Quero saber querer

o que já  não  quero,

mas domina todo o meu acontecer no intenso da pele.

A vida ensina a existência 

como uma experiência intensa

onde não  cabe o belo e o perfeito

que nos adoecem os sentidos.

COMPROMISSO

 

Nos veremos de novo qualquer dia,

sob o sol que ilumina a rua

e faz da vida alucinação,

movimento e constante transformação.

Nos veremos, em breve.

Antes que nos devorem de vez

os dias,

nos veremos.

SATURAÇÃO

Dentro de mim

qualquer coisa se quebrou.

Qualquer coisa que me fazia mundo,

que me inspirava a viver.

Agora a sociedade tem sua bota no meu pescoço

e o ar é  toxico.

Rasgo informacões e contemplo um quadro.

pois já não  suporto os fatos.

DO AMOR PERDIDO

hoje quase todos que eu amava estão  mortos. Assim eles me ensinam a arte de amar sozinho.

Aprendo a saudade  como um fogo,

onde o amor arte

onde nada mais é  possivel.

TODO RELACIONAMENTO É SILÊNCIO

 

No final todo relacionamento é silêncio.

Não importa a memória dos seus bons momentos,

a força dos vínculos que o sustentam.

No final tudo acaba, de um modo ou de outro,

em silêncio.

Só a solidão é constante...

O MAL DO AMOR

 

Todos os amores são iguais.

Todos os amores morrem.

Todos os amores desamam.

Todos os amores exigem ingenuidade,

sobrevivem de pequenas mentiras

e de grandes hipocrisias.

O amor é o erro perfeito,

uma ilusão fatal.

A PEDAGOGIA DO AMOR

Chamam de amor o egoismo ibsano de desejar o outro como a si mesmo.

Antecipar a morte através  do gozo é  a insanidade que o amor nos ensina na desmedida realização da desrazão  de im querer bruto e abdurdo.

AMOR E SAUDADE

 

Só há amor onde vive a saudade.

Onde impera uma ausência

dentro de qualquer solidão.

O amor é uma falta

que nos transborda.

Nunca uma troca,

ou comunhão.

O AMOR COMO DESTINO

Ninguém sabe onde termina a neurose,

onde o amor começa como ilusão ou loucura.

Ninguém, também,

é capaz de evitar

tal desventura.

Estamos condenados a amar.

APAIXONADA SOLIDÃO

Não amar o outro,

a mim mesmo,

ou ao mundo.

Praticar um desamor militante,

absoluto,

desconfiar de todos.

Produzir solidões

em tudo que vejo.

Disso tenho dedicado

toda a minha paixão.

AS NUVENS

As nuvens nunca são as mesmas.

Mad quem as percebe

ou sabe a rotina do céu?

Afinal, o céu quase não existem,

como ad nuvens, sempre outras,

que decoram os dias,

alheias as coisas humanas.

O AMOR NÃO EXISTE

o amor não cabe num beijo,

no sexo, 

no casamento

ou nos filhos.

Ele não acontece entre dois.

Ninguém é o outro,

ou o próximo.

O amor não existe.

mas persiste como delirio.

A DITADURA DA COMUNICAÇÃO

Entre a comunicação e a expressão há algo mais.

Há o limite dos enunciados,

Dos arranjos de significação.

Há a impessoalidade das regras do jogo da conversação.

Há o limite do dizivel através de um eu instituido como prisão. 

Há a deliberada recusa do uso da palavra

Como ato de criação

E não como reprodução banal de valores e signos ditados por qualquer convenção.

O INCONVENIENTE DA BOA EDUCAÇÃO

Somos educados para buscar a verdade e a felicidade.

 Deseducados para a natureza, 

nos perdemos da vida como experiencia trágica.

A educação nos adoece, 

Nos aprisiona a moral,

A transcendência,

E a falácia do eu.

Ignoramos o corpo

Como experiencia mágica.

A SOLIDÃO COMO REDENÇÃO

O amor secou.

Não vejo o outro

Como uma meta.

Não busco mais

Um beijo ou um abraço.

Não espero nada dos afetos.

A solidão não é uma queda,

Mas a conquista concreta

De um estado intenso

De auto consciência.

FILOSOFIA DA SOLIDÃO

Estava sempre vazio dos outros.

Pois afogava-se em si mesmo.

Sabia que todo diálogo

Era um monólogo mal feito.

Perseguia a si mesmo

Em cada gesto e pensamento

Que lhe empurrava para alienação

De ser no mundo. 

LEVO UMA VIDA QUENÃO VIVE MAIS!

Levo um vida sem família.

Sem os outros,

Quê me infernizam a memória.

Sou o resto de um mundo morto.

Um toco de árvore

Com profundas raízes.

AMOR PARA MULHERES

A vida me ensinou a ter muito medo de quem gosta de mim.

Há mais perversidade no amor

Do que no coração vazio dos solitários.

É preciso se armar para amar

Contra os lugares comuns do desejo banal.

DEFINIÇÃO NEGATIVA DO AMOR

O amor é a idiotice elevada a condição de burrice,

Um desvio,

Um suicídio através do outro

E além...

DECEPÇÕES

 

Aos olhos dos outros eu sempre serei culpado.

Principalmente pelos erros que não cometi.

Nunca será avaliado todos os sentimentos que engoli,

todas as mágoas, raivas, frustrações e decepções,

que em segredo vivi.

Não raramente, a maior das virtudes

é saber decepcionar alguém para preservar a si mesmo.

DESEQUILÍBRIOS E RELACIONAMENTOS

 

Todo relacionamento flui em um equilíbrio frágil entre simpatias e antipatias, desgastes e redescobertas.

Isso acontece porque ninguém realmente gosta de alguém, mas daquela parte de si mesmo que projeta no outro e com a qual busca conectar-se por seu intermédio com um sucesso sempre incerto. No fundo, estar em um relacionamento, é viver em constante estado de desequilíbrio e desafio a si mesmo. Os limites do outro são sempre os limites do relacionamento.