1-A SEPARAÇÃO DO PONTO DE VISA DE
JACK
Não sabia o que fazer depois que
a Jozy resolveu me deixar. Morávamos juntos a quase dez anos. Éramos como um
casal como outro qualquer. Cada um vivendo sua rotina, independente um do
outro. Ela tinha seu emprego, eu tinha o meu e só nos víamos a noite. Cada um
tinha seus sonhos e projetos próprios de vida. Tivemos o bom senso de não ter
filhos para nos atrapalhar. Isso facilitava muito as coisas entre a gente. Tínhamos
total liberdade para planejar nossas vidas dentro do permitido pelo modesto
orçamento doméstico. Não tínhamos bons empregos. Ela era secretaria e eu um simples funcionário de repartição pública.
Não me perguntem por que ela
resolveu ir embora. Nunca brigávamos ou discutíamos por qualquer coisa. Era uma
vida tranquila e sem surpresas. Mas um dia ela
ficou meio distante e uma semana depois me chamou para conversar e me
notificou de sua decisão de me deixar.
Não ofereceu qualquer bom motivo para isso. Apenas disse que não queria mais
continuar dividindo o mesmo teto comigo. Queria começar um momento novo em sua
vida. Quando lhe perguntei se havia outro cara, ela sorriu e disse que não se
tratava disso. Eu acreditei.
Nosso relacionamento havia caído em
uma rotina vazia. Eu não me dei conta da gravidade disso. Mas estávamos vivendo
como dois estranhos. Cada um levando a própria vida, apesar de dividir o mesmo
teto. Uma hora ela se deu conta que não precisava mais de mim, que eu não fazia
qualquer diferença para ela. O que era uma verdade. Estávamos vivendo como dois
dementes e um apenas alimentava a demência do outro. Era uma vidinha sem sal,
estragada pela rotina vazia e pela absoluta falta de perspectiva.
Cabe esclarecer que não éramos do
tipo romântico. Não levávamos muito a sério as ilusões do amor. Nem trepávamos
direito, se permitem a franqueza. Mas isso nunca tinha sido um problema. Apenas
não tínhamos um relacionamento dos mais quentes, mas estávamos bem acomodados a
ele. Nós gostávamos um do outro. Mas de um modo bem peculiar.
Não posso negar que me senti mal
quando ela me disse que estava indo embora. Mas não tinha muito o que
argumentar. Não fui capaz de persuadi-la do contrário, pois não tinha um único
argumento que pudesse ser convincente. Então ela se foi e o apartamento que me
parecia pequeno nunca se revelou tão grande.
Não faz muito sentido para mim
ficar lamentando o fato. A questão é o que vou fazer da minha vida agora. Jozy
garantia a rotina doméstica. Apesar de trabalhar fora, cuidava da casa e
mantinha as finanças sobre controle. Eu, ao contrário dela, não tenho o mínimo talento
para isso. Desde que ela foi embora o apartamento deixou de ser um lar e passou
a lembrar mais alguma espécie de acampamento onde tudo é feito meio de
improviso.
Pensando sobre isso agora, me
ocorreu que, talvez, minha completa omissão nos rumos da economia domestica
podem ter contribuído para decisão dela. Afinal, não devia ser fácil trabalhar
fora e ainda manter a casa em ordem. Mas eu não sou do tipo que cuida da casa.
Ela sabia disso e não parecia se importar.
Eu devia era procurar outra mulher
para botar no lugar dela. Mas já tinha passado dos cinquenta e não tinha mais a
mínima paciência para sair flertando por aí tipo um adolescente. Isso me
parecia fútil e , possivelmente, inútil. Não tinha muito dinheiro, não era
bonito.... Que tipo de mulher ia acabar comigo a esta altura da vida?
Além disso, havia outro problema.
Uma parte de mim tendia a não aceitar o fim do relacionamento. Sentia que Jozy
ainda era minha, apesar de sua decisão de ter indo embora. Minha vontade era
trazê-la de volta ou, simplesmente, esperar que em algum momento ela caísse em
si e voltasse para mim. È engraçado admitir isso. Mas nutria este tipo de
fantasia. Quando voltava para casa a noite e encontrava o apartamento vazio eu
pensava e sentia essas coisas. Eu era um completo idiota como a grande maioria
dos outros homens. Pensava que uma mulher deveria viver para mim, cuidar de
mim. Tenho certeza que ela não vai encontrar nenhum cara diferente de mim por
ai.
Não gostava da ideia de não vê-la
de novo. Mas ela não me disse exatamente para onde ia. Apenas arrumou suas
coisas enchendo três grandes malas e disse que ficaria um tempo na casa de uma
amiga. Eu nem sabia que ela tinha amigas. Aliais, sabia muito pouco de sua vida
fora de casa.
Jozy foi a única mulher com a
qual morei junto. Antes dela tinha tido apenas alguns casos e muitas aventuras.
Nada sério. Namoramos por um ano antes de decidirmos morar sobre o mesmo teto.
A decisão foi meio pragmática. A vida ia ficar mais barata para os dois com a
divisão das despesas. Mas eu gostei da coisa, me habituei a ela. Não estava preparado para voltar a estar
sozinho depois de tanto tempo. Acho que terei que arrumar um cachorro....
2- A SEPARAÇÃO DO PONTO DE VISTA DE
JOZY
Creio que Jack foi uma das piores
coisas que aconteceram na minha vida. Quando o conheci eu estava um pouco fragilizada.
Meu pai havia morrido e queria um pouco de companhia. No inicio ele era
carinhoso e atencioso. Era o que eu precisava naquele momento. Namoramos e chegou uma hora em que conversamos sobre
morar juntos. Parecia conveniente dividir as contas e a vida com ele. Nossa
situação financeira nunca foi das melhores.
Mas ao longo dos anos morando
juntos descobri nele uma pessoa distante e vazia. Não tinha exatamente um
companheiro dentro de casa. Ele estava
sempre mais disponível para o amigos dele do que pra mim. Ele nunca lembrava da data do meu aniversário,
nunca saiamos juntos para jantar ou ir ao cinema. Ele me tratava mais como uma
empregada cjua função era manter a casa em ordem.
Apesar das poucas oportunidades
que tive na vida eu ainda cultivava alguns sonhos. Pensava em fazer uma
faculdade, conseguir um emprego melhor. Queria crescer. Ele, ao contrário, era
profundamente acomodado com tudo e sua única ambição era encher a cara de
cerveja todo fim de semana.
Não sei como conseguir aguentar
tudo isso durante dez anos. Engraçado como eu evitava reclamar de tudo. Tendia
a naturalizar aquela constante falta de atenção, aquele descaso como sendo apenas
um modo dele ser. Afinal, os homens não são todos assim? Não adiantaria
reclamar. Era o que eu pensava. Mas não me sentia melhor por isso. Muitas vezes chegava em casa
querendo que ele não estivesse lá, que eu não tivesse que dividir a mesma cama
com ele.
Nós nunca nos amamos. Mas durante
algum tempo fomo bons amigos. Nos últimos anos, entretanto, a amizade foi se
degenerando em indiferença e, no meu caso, se convertendo em uma espécie de
aversão. Eu o culpava pelo homem que ele
não era. Chegou um ponto em que eu não
podia mais conviver mais com aquela situação.
Não foi fácil sair de casa.
Contei com a ajuda de uma amiga minha do trabalho, a Magy. Sem ela não teria
tido coragem. Hoje moro com ela temporariamente. Tenho algumas economias e estou
tentando conseguir outro emprego.
Eu espero não velo novamente e
continuar minha vida. No dia em que fui embora ele me pareceu um pouco
diferente, meio sombrio. Tive medo dele. Achei que podia ficar violento. Acho
que ele não aceitou muito bem a ideia de separação. Talvez por ter tido o
orgulho ferido e se sentido rejeitado. Em alguns momentos da nossa despedia
disse palavras duras pra ele tentando expressar o quanto estava infeliz.
Mas não quero perder meu tempo
falando sobrei isso. Quero esquecer o passado. Já passei dos cinquenta e não
tenho tempo para lamentar aquilo que foi. Meu futuro é feito de urgências.
3-A SEPARAÇÃO DO PONTO DE VISTA DO
APARTAMENTO DO EX CASAL
Não sou a voz de qualquer ente mítico
ou entidade fantástica. Sou apenas um
discurso sem voz, um ato de imaginação que personifica os fatos em sua
impessoalidade e sem o crivo das interpretações subjetivas de seus próprios
atores. Sou exatamente aquilo que eles ignoram. Por tanto não tenho existência.
Mas seria um erro me ignorar.
Nenhum dos discursos produzidos
pelo casal aqui em questão corresponde realmente aos fatos. Eles levavam uma
vida rotineira e tediante. Mas mantinham uma relação de auto dependência psicológica
muito interessante.
Jozy era uma garota ambiciosa que
viu em Jack alguém suficientemente submisso a ela para fazer todas as suas
vontades. Foi dela a ideia de morarem juntos e, durante algum tempo, ela manteve esperanças na possibilidade de
Jack melhorar de vida e lhe garantir uma situação materialmente mais
confortável na vida. Jack, por sua vez, era apenas um sujeito medíocre e sem
ambições . Bastava aquela vidinha que levava certa e segura.
Havia, portanto, desde o inicio
uma incompatibilidade entre os dois. O
que os levou a um envolvimento mais intimo foi a ocasional trepada propiciada
em uma noite de bebedeira na qual se conheceram na celebração do aniversário de
um amigo comum. Havia uma química sexual entre eles se perdurou por muito tempo
e sustentou o envolvimento.
A verdade é que ambos nunca foram
capazes de lidar de modo muito consequente com a vida e projetaram um no outro
as fantasias mais oportunistas daquilo que consideravam um relacionamento
porcamente feliz. Era natural que tudo
chegasse ao fim um dia.
A lição que podemos tirar da
história dos dois é o quanto as pessoas tendem a ser ingênuas em suas escolhas
afetivas e optam sempre movidas por cálculos subjetivos que transcendem o
simples envolvimento afetivo.
Mas esta é a avaliação de uma voz
que não existe, mas que encontra-se muda nas entrelinhas de ambos os discursos
anteriormente apresentados.
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