terça-feira, 8 de dezembro de 2015

ANATOMIA DE UMA SEPARAÇÃO


1-A SEPARAÇÃO DO PONTO DE VISA DE JACK

Não sabia o que fazer depois que a Jozy resolveu me deixar. Morávamos juntos a quase dez anos. Éramos como um casal como outro qualquer. Cada um vivendo sua rotina, independente um do outro. Ela tinha seu emprego, eu tinha o meu e só nos víamos a noite. Cada um tinha seus sonhos e projetos próprios de vida. Tivemos o bom senso de não ter filhos para nos atrapalhar. Isso facilitava muito as coisas entre a gente. Tínhamos total liberdade para planejar nossas vidas dentro do permitido pelo modesto orçamento doméstico. Não tínhamos bons empregos. Ela era secretaria e eu  um simples funcionário de repartição pública.
Não me perguntem por que ela resolveu ir embora. Nunca brigávamos ou discutíamos por qualquer coisa. Era uma vida tranquila e sem surpresas. Mas um dia ela  ficou meio distante e uma semana depois me chamou para conversar e me notificou de sua  decisão de me deixar. Não ofereceu qualquer bom motivo para isso. Apenas disse que não queria mais continuar dividindo o mesmo teto comigo. Queria começar um momento novo em sua vida. Quando lhe perguntei se havia outro cara, ela sorriu e disse que não se tratava disso.  Eu acreditei.
Nosso relacionamento havia caído em uma rotina vazia. Eu não me dei conta da gravidade disso. Mas estávamos vivendo como dois estranhos. Cada um levando a própria vida, apesar de dividir o mesmo teto. Uma hora ela se deu conta que não precisava mais de mim, que eu não fazia qualquer diferença para ela. O que era uma verdade. Estávamos vivendo como dois dementes e um apenas alimentava a demência do outro. Era uma vidinha sem sal, estragada pela rotina vazia e pela absoluta falta de perspectiva.
Cabe esclarecer que não éramos do tipo romântico. Não levávamos muito a sério as ilusões do amor. Nem trepávamos direito, se permitem a franqueza. Mas isso nunca tinha sido um problema. Apenas não tínhamos um relacionamento dos mais quentes, mas estávamos bem acomodados a ele. Nós gostávamos um do outro. Mas de um modo bem peculiar.
Não posso negar que me senti mal quando ela me disse que estava indo embora. Mas não tinha muito o que argumentar. Não fui capaz de persuadi-la do contrário, pois não tinha um único argumento que pudesse ser convincente. Então ela se foi e o apartamento que me parecia pequeno nunca se revelou tão grande.
Não faz muito sentido para mim ficar lamentando o fato. A questão é o que vou fazer da minha vida agora. Jozy garantia a rotina doméstica. Apesar de trabalhar fora, cuidava da casa e mantinha as finanças sobre controle. Eu, ao contrário dela, não tenho o mínimo talento para isso. Desde que ela foi embora o apartamento deixou de ser um lar e passou a lembrar mais alguma espécie de acampamento onde tudo é feito meio de improviso.
Pensando sobre isso agora, me ocorreu que, talvez, minha completa omissão nos rumos da economia domestica podem ter contribuído para decisão dela. Afinal, não devia ser fácil trabalhar fora e ainda manter a casa em ordem. Mas eu não sou do tipo que cuida da casa. Ela sabia disso e não parecia se importar.
Eu devia era procurar outra mulher para botar no lugar dela. Mas já tinha passado dos cinquenta e não tinha mais a mínima paciência para sair flertando por aí tipo um adolescente. Isso me parecia fútil e , possivelmente, inútil. Não tinha muito dinheiro, não era bonito.... Que tipo de mulher ia acabar comigo a esta altura da vida?
Além disso, havia outro problema. Uma parte de mim tendia a não aceitar o fim do relacionamento. Sentia que Jozy ainda era minha, apesar de sua decisão de ter indo embora. Minha vontade era trazê-la de volta ou, simplesmente, esperar que em algum momento ela caísse em si e voltasse para mim. È engraçado admitir isso. Mas nutria este tipo de fantasia. Quando voltava para casa a noite e encontrava o apartamento vazio eu pensava e sentia essas coisas. Eu era um completo idiota como a grande maioria dos outros homens. Pensava que uma mulher deveria viver para mim, cuidar de mim. Tenho certeza que ela não vai encontrar nenhum cara diferente de mim por ai.
Não gostava da ideia de não vê-la de novo. Mas ela não me disse exatamente para onde ia. Apenas arrumou suas coisas enchendo três grandes malas e disse que ficaria um tempo na casa de uma amiga. Eu nem sabia que ela tinha amigas. Aliais, sabia muito pouco de sua vida fora de casa. 
Jozy foi a única mulher com a qual morei junto. Antes dela tinha tido apenas alguns casos e muitas aventuras. Nada sério. Namoramos por um ano antes de decidirmos morar sobre o mesmo teto. A decisão foi meio pragmática. A vida ia ficar mais barata para os dois com a divisão das despesas. Mas eu gostei da coisa, me habituei a ela.  Não estava preparado para voltar a estar sozinho depois de tanto tempo. Acho que terei que arrumar um cachorro....

2- A SEPARAÇÃO DO PONTO DE VISTA DE JOZY

Creio que Jack foi uma das piores coisas que aconteceram na minha vida. Quando o conheci eu estava um pouco fragilizada. Meu pai havia morrido e queria um pouco de companhia. No inicio ele era carinhoso e atencioso. Era o que eu precisava naquele momento. Namoramos e  chegou uma hora em que conversamos sobre morar juntos. Parecia conveniente dividir as contas e a vida com ele. Nossa situação financeira nunca foi das melhores.
Mas ao longo dos anos morando juntos descobri nele uma pessoa distante e vazia. Não tinha exatamente um companheiro dentro de casa.  Ele estava sempre mais disponível para o amigos dele do que pra mim.  Ele nunca lembrava da data do meu aniversário, nunca saiamos juntos para jantar ou ir ao cinema. Ele me tratava mais como uma empregada cjua função era manter a casa em ordem.
Apesar das poucas oportunidades que tive na vida eu ainda cultivava alguns sonhos. Pensava em fazer uma faculdade, conseguir um emprego melhor. Queria crescer. Ele, ao contrário, era profundamente acomodado com tudo e sua única ambição era encher a cara de cerveja todo fim de semana.
Não sei como conseguir aguentar tudo isso durante dez anos. Engraçado como eu evitava reclamar de tudo. Tendia a naturalizar aquela constante falta de atenção, aquele descaso como sendo apenas um modo dele ser. Afinal, os homens não são todos assim? Não adiantaria reclamar. Era o que eu pensava. Mas não me sentia melhor  por isso. Muitas vezes chegava em casa querendo que ele não estivesse lá, que eu não tivesse que dividir a mesma cama com ele.
Nós nunca nos amamos. Mas durante algum tempo fomo bons amigos. Nos últimos anos, entretanto, a amizade foi se degenerando em indiferença e, no meu caso, se convertendo em uma espécie de aversão. Eu o culpava pelo  homem que ele não era.  Chegou um ponto em que eu não podia mais conviver mais com aquela situação.
Não foi fácil sair de casa. Contei com a ajuda de uma amiga minha do trabalho, a Magy. Sem ela não teria tido coragem. Hoje moro com ela temporariamente. Tenho algumas economias e estou tentando conseguir  outro emprego.
Eu espero não velo novamente e continuar minha vida. No dia em que fui embora ele me pareceu um pouco diferente, meio sombrio. Tive medo dele. Achei que podia ficar violento. Acho que ele não aceitou muito bem a ideia de separação. Talvez por ter tido o orgulho ferido e se sentido rejeitado. Em alguns momentos da nossa despedia disse palavras duras pra ele tentando expressar o quanto estava infeliz.
Mas não quero perder meu tempo falando sobrei isso. Quero esquecer o passado. Já passei dos cinquenta e não tenho tempo para lamentar aquilo que foi. Meu futuro é feito de urgências.

3-A SEPARAÇÃO DO PONTO DE VISTA DO APARTAMENTO DO EX CASAL

Não sou a voz de qualquer ente mítico ou entidade fantástica. Sou  apenas um discurso sem voz, um ato de imaginação que personifica os fatos em sua impessoalidade e sem o crivo das interpretações subjetivas de seus próprios atores. Sou exatamente aquilo que eles ignoram. Por tanto não tenho existência. Mas seria um erro me ignorar.
Nenhum dos discursos produzidos pelo casal aqui em questão corresponde realmente aos fatos. Eles levavam uma vida rotineira e tediante. Mas mantinham uma relação de auto dependência psicológica muito interessante.
Jozy era uma garota ambiciosa que viu em Jack alguém suficientemente submisso a ela para fazer todas as suas vontades. Foi dela a ideia de morarem juntos e, durante algum tempo,  ela manteve esperanças na possibilidade de Jack melhorar de vida e lhe garantir uma situação materialmente mais confortável na vida. Jack, por sua vez, era apenas um sujeito medíocre e sem ambições . Bastava aquela vidinha que levava certa e segura.
Havia, portanto, desde o inicio uma incompatibilidade entre os dois.  O que os levou a um envolvimento mais intimo foi a ocasional trepada propiciada em uma noite de bebedeira na qual se conheceram na celebração do aniversário de um amigo comum. Havia uma química sexual entre eles se perdurou por muito tempo e sustentou o envolvimento.
A verdade é que ambos nunca foram capazes de lidar de modo muito consequente com a vida e projetaram um no outro as fantasias mais oportunistas daquilo que consideravam um relacionamento porcamente feliz. Era natural que tudo  chegasse ao fim um dia.
A lição que podemos tirar da história dos dois é o quanto as pessoas tendem a ser ingênuas em suas escolhas afetivas e optam sempre movidas por cálculos subjetivos que transcendem o simples envolvimento afetivo.
Mas esta é a avaliação de uma voz que não existe, mas que encontra-se muda nas entrelinhas de ambos os discursos anteriormente apresentados.


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