sábado, 28 de fevereiro de 2015

UM FRAGMENTO DE NOS CUMES DO DESESPERO by EMIL CIORAN

Creio eu que o grande mérito do niilismo é nos afastar das ilusões e frágeis certezas do senso comum. Seu mérito é nos fazer refletir sobre a vida a partir da consciência de nossa intima finitude. Emil Cioran é um mestre desta arte, como prova o fragmento abaixo de NOS CUMES DO DESESPERO:

Ser Lírico

“Por que não podemos morar isolados em nós mesmos? Por que nós perseguimos a expressão e a forma, procurando esvaziar-nos de todo o conteúdo, por meio de um processo caótico e rebelde? Não seria mais fecundo abandonar-nos à essa fluidez interior, sem preocupação objetiva, limitandonos a gozar de todas as nossas efervescências e agitações íntimas? Vivências múltiplas e diferenciadas fundiriam-se assim para engendrar uma das mais fecundas efervescências, semelhante a um movimento de marés ou a um paroxismo musical. Estar cheio de si, não no sentido do orgulho, mas da riqueza; sentir-se feito de um infinito interior, numa tensão extrema - isto significa viver intensamente, intensamente a ponto de sentir-se morrer de viver. Tão raro é este sentimento, e tão estranho, que nós deveríamos vivê-lo aos gritos. Preciso morrer de viver e me pergunto se existe algum sentido em buscar explicações. Assim que o passado da alma palpita em nós numa tensão infinita, ou que num dado momento retornam todas as experiências vividas e um ritmo perde seu equilíbrio e seu padrão, a morte nos prende aos cumes da vida, fazendo-nos provar, perante um tal terror, a mais dolorosa obsessão. Sentimento análogo àquele dos amantes que, no cume da alegria, vêem surgir em frente a eles, fugitiva embora intensamente, a imagem da morte. Ou como, quando nos momentos de incerteza, emerge, em meio a um amor ainda nascente, a premonição do fim ou do abandono.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário