sexta-feira, 22 de abril de 2022

NOTAS SOBRE O VAZIO QUE HÁ EM NÓS

O vazio que há em nós
não se confunde com a experiência  de qualquer ausência. 
Ele é antes de tudo uma presença,
um deserto que não para de crescer,
tomando conta de tudo que somos,
que seremos ou que fomos.

O vazio é um estar à deriva.
É a imensidão selvagem do oceano
depois do naufrágio.

O vazio é tão concreto,
tão familiar e evidente,
que não pode ser definido
como vazio.
Eis o paradoxo do seu segredo.

O vazio chama meu nome
em todos os lugares
como um velho amigo.


quarta-feira, 20 de abril de 2022

O EU FILÓSOFO

De tão incerto
meu eu duvida do mundo,
dos outros, da vida,
e da realidade da angustia.

Só tem certeza do corpo,
perecível e frágil,
que lhe sustenta a vontade.

Meu eu é sempre um saber dos outros
que se confundem com o nada
que lhe surpreende no espelho.

ANTI SOCIAL

Tenho hoje em dia
muito pouco a dizer.
Pois em quase nada acredito.
Por isso aprendi a gritar silêncios 
e explorar desertos
contra os que falam demais.

Na presença dos tagarelas
Prefiro poupar meus ouvidos
e ter um pouco de paz
permanecendo alheio aos debates de boteco
cultivando meu niilismo.

sexta-feira, 15 de abril de 2022

O CAOS DO DIA

O dia explode lá fora
em todas as formas
e cores
do caos.

O dia grita,
apesar de todo conformismo
e do peso do tempo
que desaba sobre nós.

O dia corre, passa,
e morre.
Mas sempre é dia.
O sol anuncia
sempre de novo
o caos.



quinta-feira, 14 de abril de 2022

EGOCENTRISMO METAFÍSICO

Quero dormir, sonhar,
regressar ao passado,
aos que se foram;
poder fugir ao presente,
ao futuro do mundo.
Ser inteiramente 
dentro do meu próprio tempo
e no absoluto da minha vida
no desregramento de tudo.



terça-feira, 12 de abril de 2022

EROS COSMOGÔNICO

 

Oposto de Caos, vazio original do incriado, Eros é como força ordenadora e unificadora no quartenário  primordial do universo.

Assim, ele aparece em Hesíodo e em Empédocles como um princípio de relação ou união que antecede os próprios deuses. Eros é como a premissa fundamental do mundo organizado, da passagem do caos ao cosmos. Neste sentido, ele é uma  grandeza imanente, que se confunde com o jogo brutal de forças opostas que define o vir a ser da própria natureza entre o sagrado e o profano. Eros é, portanto, o pressuposto  de  tudo aquilo  que é manifesto. Ser é composição, arranjo, encontro, relação e, como tal, expressão de Eros que, por sua vez, é esteril.

No cenário primordial  além do tempo Eros e caos lembram, enquanto par de opostos cambiantes,  a máxima alquimica "solve et coagula" (dissolver e coagular) que traduz a dinâmica da composição e decomposição dos corpos em laboratório durante a opus.

Na Teogonia de Hesíodo tal par de opostos é complementado por Gaia e Tártaro que formam uma segunda polaridade dentro do quartenário primordial onde as quatro grandesas sagradas coincidem entre si e dão origem as gerações divinas.

Os versos em que o quartenário primordial é apresentado na Teogonia são os seguintes:

"Sim bem primeiro nasceu Caos, depois também 

Terra de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre, 

dos imortais que têm a cabeça do Olimpo nevado, 

e Tártaro nevoento no fundo do chão de amplas vias, 

e Eros: o mais belo entre Deuses imortais, 

solta-membros, dos Deuses todos e dos homens todos 

 ele doma no peito o espírito e a prudente vontade. "

Mas os versos da Teogonia não se demoram no falar sobre o incriado quartenário primordial já que o objetivo do poema é cantar a gloria de Zeus.

Mas o eros desta versão arcaica está muito longe do Eros do banquete de Platão; filho de afrodite e daimon que age entre os deuses e os homens. Ele surge aqui como grandeza cósmica inerente a constituição de toda possibilidade do Ser e do não  Ser.




domingo, 10 de abril de 2022

NOSTALGIA

Tenho saudades daqueles tempos em que eu era demasiadamente novo, inconsequênte, inconsciente, e capaz de dançar com o vento sem temer a profundidade dos abismos.
Sinto falta daquele eu composto por mil desejos que se dissolviam na vontade geral da natureza, que morria todos os dias, sem nunca desistir do mundo.
Tenho saudades daqueles tempos de encantamento do mundo onde tudo parecia possível. 

quarta-feira, 6 de abril de 2022

A VISTA DA MINHA JANELA

A vista da minha janela é feia.
Falta imaginação a paisagem
em uma cidade sem alma
onde ninguém se reconhece
em seu próprio chão. 

Todas  as janelas do prédio 
em frente estão fechadas.
O céu está fechado.

Tudo que vejo da minha janela
é solidão. 

terça-feira, 5 de abril de 2022

JUVENTUDE


Sou jovem demais
para morrer de tédio,
amor, ou ansiedade;
para sucumbir as dores do mundo,
aos conformismos cotidianos,
sem me alistar na causa
de qualquer organização da revolta
e me rebelar contra a história.

Ser jovem é lutar contra o mundo,
é embriagar-se com o intempestivo,
na reinvenção de nossa duvidosa humanidade.


domingo, 3 de abril de 2022

ENÍGMA MUNDO

ENÍGMA MUNDO

O mundo é a parte de mim que sempre permanece ausente. 
É minha consciência imperfeita
que inventa o corpo
do lado de fora de mim mesmo.
O mundo é o indeterminado
entre o eu e os outros,
é o que ultrapassa a todos.

sábado, 2 de abril de 2022

ANIMALIDADE

Sou mais animal
do que humano.
Pois prefiro o uivo
a palavra,
e meu corpo é mais intenso
do que qualquer pensamento.
Por isso sei sentir
e nunca aprendi a pensar.