O AMOR NÃO AMA

O amor não ama.

Todos seguimos sozinhos,

todos morremos sozinhos.

Amar não cabe na alma.

A alma não existe.

O amor é nosso limite.

QUASE UMA LEMBRANÇA

Nada sei sobre sua vida.

Nunca te conheci.

Seu nome não me importa.

Entretanto, você  me diz

outra pessoa 

que habitou meus dias de criança. 

Enxergo através  de você 

a sombra de alguém

que não mais conheço, 

que saiu da minha vida

quando era muito cedo,

quando eu ainda não  era eu

e todo mundo era ninguém 

na indiferença e indeterminação

das amizades da infância. 

AO INFERNO TODOS OS FUTUROS!

 

Exausto dos meus futuros

e apagado dos meus passados,

sigo pelo incerto e renovado instante de agora

onde meu coração ainda bate no peito

Sempre a mesma e outra batida,

onde nada que acontece é real

ou me encanta.

Que se danem todos os futuros da Humanidade!

AS DUAS PARTES DE MIM

Sem adeus ou despedida

muita gente  partiu da minha vida

me deixando perdido

entre memórias, silêncios,

e futuros partidos.

Parte de mim anoitece nos dias ao sabor das ausências, 

outra se deita com a morte todas as noites.

 Desfeito entre elas sigo fendido

na consciência de abismos.

.

COMPANHIA

Qualquer pessoa serve para povoar meus dias.

Não precisa ter nome, posses ou inteligência. 

Não precisa concordar comigo,

ser cúmplice das minhas fraquesas ou condecendente com meus limites e erros.

Não  precisa se quer ser humana. Nem precisa ser uma pessoa. É  até melhor que seja um bicho; qualquer animal intuitivo e afetivo que quase não me reconheça no compartilhar incerto do mundo.

DA SUPERIORIDADE DA AMIZADE

Enquanto o egoismo do amor aproxima e afasta pessoas, a amizade edifica laços de cumplicidade e apoio mútuo. 

É através da amizade , enquanto pratica politica e cotidiana que inventamos o comum, compartilhando mundos é experiências. 

AMOR E FOME

A fome é a mais radical forma de amor. Aquela que corrompe o pensamanto e a vontade; que em estado bruto de necessidade, expressa o corpo  e a vida como um apetite insaciável , ela é  aquilo que na composição do eu e do mundo, faz da necessidade motor de todo movimento e vontade.

TANTO FAZ

Tanto fez,

tanto faz.

O mundo ainda é  o mesmo

e temos problemas demais.

O amor dos mortos

alimenta a vida que resta

em um amanhã de saudades eternas.

Mas tanto faz,

tanto fez.

É sempre tarde demais.

EXISTIR E VIVER

Existir é estar entre os outros.

Mas viver é  saber-se sozinho,

abandonado a si mesmo ,

sem qualquer certeza do mundo.

Existir é facil,

viver, ao contrário, 

é  quase impossível. 

O EU, O CORPO E O OUTRO

Entre o meu corpo

e o corpo do outro

reinvento narciso

no espelho quebrado

de um eu partido. 

Pois o corpo é sempre mais intenso,

mas concreto,

do que o eu

que nunca cabe no rosto

e se ilude infinito.

Entre o meu e o teu corpo

há sempre a sombra de um outro

que apaga em nós o rosto

enquanto dança feito borboleta

entre as almas das coisas.

Qualquer diálogo é impossivel

onde tudo é a sombra de um outro corpo

fora do tempo e do espaço.

NATURALISMO

Faz anos que não  visito um jardim,

que não converso com flores

ou escuto a reclamação das arvores.

Faz muito tempo que não me revolto com o vento,

que não  deito na grama ao teu lado,

e me esqueço do mundo,

das letras e regras,

embriagado pelos arcaicos silêncios do teu perfume.

Mas ainda brilha em meus olhos 

uma luz selvagem,

um encanto de natureza,

e vontade de tempestades.

Ainda me lembro de nós

atirando pedras nos telhados

em protesto contra o por do sol.

SOLIDÃO E DEPENDÊNCIA

Na medida em que nossa presença e existência no mundo  são  definidas por um corpo e uma consciência própria, somos naturalmente todos solitários. Mas, se a vida acontece através  de diversos relacionamentos, é  também  verdade que a solidão não é  a mesma para todos. Cada um em sua história de vida é consequência dos outros, dos seus encontros e desencontros. O mais terrível  da solidão é a percepção de que não somos auto sufientes, mas, ao mesmo tempo, não podemos contar ou depender inteiramente dos outros. Todo relacionamento é  por definição conflituoso, insuficiente.

VÍNCULOS

 

Cada vínculo humano e inumano

é físico, afetivo e instável.

Todo laço é provisório,

parasitário.

Um devir outro

que nos transforma,

transborda e supera.

Todo vinculo ensina a morte.

A MORTE DOS OUTROS

 

A solidão é a morte dos outros,

sobreviver a todos,

em um tempo que já não é o nosso.

A solidão é um desencontro com o mundo

e com a vida

no estranhamento do urgente

que estabelece o agora.

A solidão é não mais se reconhecer

nos outros.

O OUTRO QUE HÁ EM NÓS

O outro é o que sei dele 

contra tudo que ele sabe de mim.

Entre nós qualquer intimidade é  impossível 

pois dentro de nós há sempre

um desconhecido.