Estávamos ali, apenas eu e ela,
naquele ponto de ônibus. Sua presença me chamou atenção desde o primeiro
momento. E usava a indiscrição dos olhos para dizer sem palavras meu interesse por aquela jovem ruiva e vestido
vermelho que parecia destoar em meio aquele tumulto de rotina urbana.
Depois de uns cinco minutos
inquieto decidi tentar começar uma prosa da forma mais desastrada possível.
Respirei fundo e comentei meio sem jeito:
-Olha moça. Não quero ser
inconveniente. Mas queria fazer um comentário sobre você.
-Como? Você falou comigo?-
Retrucou a bela moça ruiva com o tom de voz irritado e me olhando desdenhosamente.
-Sim. Só queria dizer que você tem
um rosto fora do comum...
- Não vejo o que meu rosto tem de
diferente. Tenho dois olhos, um nariz e
uma boca como todo mundo.
- bem, acho que você tem cara de
gente de antigamente.
-Você é louco?
- Não. Só estou dizendo que seu
rosto me lembra as faces das pessoas naquelas fotografias antigas e em preto e
branco de fins do sec. XIX. O que quero dizer é que parece que te conheço de
alguma outra vida...
- não entendo o que você quer
dizer com isso.
- Não precisa fazer sentido pra
você. Só fiz uma observação que não passa de um devaneio doido e sem
pretensões.
- Continuo sem entender.
- perdoe-me por incomoda-la. Mas
posso saber seu nome?
-Porque lhe diria meu nome?
-Porque eu perguntei?
-Não vejo qualquer razão para
dizer meu nome a um estranho que diz que tenho rosto de gente velha.
- Mas não foi isso que eu disse...
-Então você nem sabe o que diz e
ainda quer saber o meu nome.
-Pois bem. Posso lhe dizer o meu
nome primeiro. Me chamo Lírio. Sei que não é o mais lindo dos nomes. Mas foi o
que me deram. Desconheço os critérios da escolha. Os pais adotam critérios estranhos
para escolher o nome dos filhos.
-Pois eu me chamo Rosa senhor
Lírio. E acho que essa prosa sem sentido já foi longe demais.
-Penso o contrário minha cara. Vejá
só: Um Lírio e uma Rosa se conhecendo em um ponto de ônibus nessa tarde linda
de outono! Que mágica coincidência! O acaso conspira a nosso favor.
-Você está delirando. Isso não
tem nenhum significado!
- Talvez me conhecendo melhor
você posa mudar de idéia.
-Pois acho que não vale a pena o
trabalho.Putz. Essa porra de ônibus que não chega!!!
-Bem vejo que meus argumentos não
lhe agradam. Mas se você me der oportunidade lhe provar o contrário...
- Quer saber de uma coisa?! Talvez você esteja certo quanto às coincidências
aqui. Além me chamar Rosa tenho uma namorada e o nome dela é Margarida.
- Mas isso seria mais coincidência
do que a necessária! Você deve estar mentindo apenas para se livrar da minha
prosa.
-Você acha mesmo tão impossível
assim eu ter uma namorada? Pois é a mais pura verdade. Aliais, estou indo agora
me encontrar com ela..
-Tudo bem. Verdade ou não isso
não muda nada. Continuo achando você muito interessante e teu rosto mágico e
cativante.
Neste momento da conversa o ônibus
esperado por Rosa finalmente dobrou a esquina. Ela estendeu o braço solicitando
a parada do coletivo e depois foi embora sem mesmo me dizer um adeus. Assim terminou
nosso flerte... Mas apesar do malogro deste dialogo, o rosto dela ficou
registrado em minhas retinas. Realmente acredito que o meu fascineo pelo rosto
de Rosa era expressão de qualquer expressão da sutil magia do encontro e do
encantamento que podem dar sabor a vida. Eu realmente penso que ela acordava
alguma coisa profunda dentro de mim que não sei explicar.
Para ela isso não passa de uma
fantasia pueril e absurda. Mas acho que a própria vida é ilegível e feita de
absurdos. O desafio é fazer com que eles aconteçam na maioria das vezes ao
nosso favor. O que não é nada fácil. Quase o tempo todo alguma coisa vai dando
errado e a gente só percebe quando já é tarde demais.
A realidade é apenas aquilo que a
gente sente na cabeça da gente e cada um vive da sua própria realidade. Por
isso nos desencontramos tanto uns dos outros. Como Rosa, a maioria das pessoas
está pouco desposta a saber ou entender a realidade do outro...
Queria saber se ao menos ela
entende a realidade de Margarida.
Deixa pra lá... O que eu quero
mesmo é saber destas flores murchas neste meu jardim que já virou um desolado deserto.