quinta-feira, 31 de agosto de 2023

MENINO MORTO

Quão distante estou hoje daquele menino que fui.
Seu mundo,
sua realidade,
não passam agora de pálida lembrança
dentro e além de mim.

De alguma forma
ele está morto, como seus pais,
e eu mesmo já não existo tanto
além do seu pálido vestígio,
pois viver é ser no passado que mata o futuro.


Sei que a existência é feita de muitas realidades que não existem mais,
 de mundos perdidos
e vidas que acabam cedo demais.

As vezes me pergunto
Se não  passo de uma sombra oca
de uma vida que só existe como miragem 
no indeterminado espaço de tempo que lhe circunscreve.

 Quão distante estou hoje, afinal,
do meu menino morto?
Neste momento, bem sei,
há muitas mortes acontecendo
em meu íntimo 
pela impossibilidade
de me tornar outro,
ou redescobrir um pouco
do menino morto dentro de mim.

JOVENS & REBELDES

Gostavam de saber o tempo e o mundo,
 De sofrer mudanças, reviravoltas,
 Conflitos e desafios, 
Deixando o acaso escrever seus caminhos,
inventar subjetividades e impessoalidades em cada busca e encontro fortuito.

 Toda novidade era bem vinda. 
Tudo levava a um futuro maior do que a própria vida
através de dias  que não terminavam
e nunca seriam iguais.

A infância era a novidade de uma ruptura diária,
de uma superação infinita de si e do mundo.

Era impossível esgotar em uma vida
toda a riqueza do agora e sempre do tempo e do mundo.


DO EU A NINGUÉM

Dentro dos meus silêncios sou único.
 Um eu no centro de tudo. 
Mas também sou os outros e ninguém.
 Um nada no fundo do mundo
 Tentando ser alguém.

terça-feira, 29 de agosto de 2023

O OUTRO

Odeio o outro por não ser eu. 
Mesmo que o outro me diga quem sou
 Como um espelho. 

Quem pode falar de si 
Sem falar do estranho 
Que do fundo da consciência 
lhe contempla em segredo?

Mesmo assim, odeio o outro
por não ser eu.
Talvez o outro também me odeie.

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

O ESCONDERIJO

Não importa o quão agradável seja o lugar que chamamos de lar.
É preciso cultivar em alguma parte do mundo 
um canto qualquer de segredo 
para o qual  se possa sempre escapar.
 
Um teto outro sob o qual repousar o juízo,
um lugar bonito onde tudo nos seja, simultaneamente, estranho, 
familiar e infinito.

Sendo possível  nele fugir ao peso de nossas enfadonhas rotinas,
frustrações e ambições cotidianas.
Um lugar para ignorar o peso do tempo que nos faz definhar.

Todo mundo necessita de um bom esconderijo
para de vez em quando se guardar dos outros, 
para exercer o doce direito de ficar sozinho,
de sonhar e viver  a liberdade de  esquecer de si e do mundo entorpecido pelo mais profundo cansaço 
e pela mais bela e franca preguiça.










sexta-feira, 25 de agosto de 2023

PERDIDO DE SI

Há momentos em que me lembro de mim mesmo quando te recordo.
 Então me desfaço em saudades da pessoa que já fui um dia quando vivia ao teu lado. 
Pois hoje sem você  sou ninguém .
Minha existência habita apenas no teu olhar ausente.
Pois só posso ser em sua presença.


sábado, 12 de agosto de 2023

MISÉRIA ASSALARIADA

Nunca quis nada,
mas sempre esperei tudo.
Aceitei o jogo absurdo
de uma existência fútil,
inútil e desesperada
em troca de alguns trocados.

Me tornei escravo da minha sobrevivência,
prisioneiro do  futuro das minhas necessidades,
na contramão do desejo.

Perdi o controle do meu tempo,
do meu pensamento 
e da minha sorte.

Fui reduzido a um zumbi assalariado,
despido de imaginação e vontade,
um  novo tipo de escravo.




sexta-feira, 4 de agosto de 2023

DA INFÂNCIA A VIDA ADULTA

As crianças inventam o mundo a sua imagem e semelhança. Para elas a imaginação importa mais do que a realidade. 
No fundo, a infância é um outro modo de habitar o mundo onde tudo é intenso, lúdico, fascinante e deliberadamente inventado.

Amadurecer é ver tudo perder o encanto,  é saber   crescer em nós um desagradável sentimento de desabrigo na medida em que avançamos para doentia funcionalidade da condição adulta/produtiva. Nesta,  já não somos mais sensíveis aos imperativos instintivos de nossa própria imaginação.
A realidade, o fora de nós, dita os limites da verdade e da experiência através da ilusão da objetividade.