quinta-feira, 20 de maio de 2021

PRIVACIDADE

Ninguém saberá dos meus dias,
das minhas angustias e agonias.
Serei entre os outros
o mais fosco dos desconhecidos.
Não  farei confissões em redes sociais,
não  beberei com amigos.
serei sempre descreto,
quase invisivel.
Escaparei totalmente a opinião  dos outros.



O LONGE

Ainda vou saber onde fica o longe.
O longe maior que o distante
donde ninguém volta,
onde ninguém chega,
mas alcança
na experiência do caminho.

O longe que liberta,
que atravessa a vida,
escrevendo o nada
na escuta  do silêncio.

Quanta solidão 
e desabrigo 
cabe na errância do longe?

Existo para não ser,
para não  saber,
não  conhecer,
dentro do longe,
todos os banais equivocos,
que sustentam a ilusão  de viver.

Do longe de mim 
sigo avançando para o longe dos outros
sem nunca saber o quanto estou longe.




terça-feira, 11 de maio de 2021

AMOR É SAUDADE

O que dói é viver na vida
tantas despedidas.
Acumular saudades
enquanto a existência  definha

O amor é saber a ausência,
é querer mais o passado
do que o futuro
através  dos silêncios 
do tempo presente.

segunda-feira, 10 de maio de 2021

CULPA E DESTINO

Sei que sou responsável pelo mundo que me destrói,
pela lenta e diária morte da humanidade.

Sou culpado por ser incapaz  de fugir,
por não escapar a vida comum, 
por não ser diferente de quem me tornei.

Sou culpado por ter  sido educado,
normalizado e vestido de multidão para sobreviver.

Sou culpado pela solidão  de todos,
pelo absurdo dos outros,
que me faz ninguém. 

DESALENTO

 

Talvez fosse melancolia

aquele seu olhar perdido

no meio da praça

deitado no nada.

 

Talvez fosse só melancolia,

e não este fatio,

este limite,

que de repente,

do nada,

nos desmonta

e mata aos poucos.

SEGUIR EM FRENTE

 

Ainda que a vida siga,

sempre precária na aridez dos dias,

é preciso inventar qualquer alegria

nas horas mortas da tarde

contra toda melancolia.


Mesmo sem qualquer ilusão de esperança,

é preciso colorir palavras e discursos

para decorar nosso existir danificado

a sombra de mil distopias.


Evitemos o estranhamento e o assombro

que tanto nos consome.

Sejamos duros como as pedras,

resignados como as folhas,

e indiferentes como o vento.

 


domingo, 9 de maio de 2021

A INDIGÊNCIA DOS PÉS

Meus pés firmes no chão 
ignoram o céu. 
Apenas inventam caminhos
sem qualquer ilusão de destino.

Meus pés recusam o sapato.
Preferem a nudez e a terra.
Sempre procuram a felicidade
de estarem sujos de vida, 
 encontros e indigências,
contra a higiene dos pisos, calçadas e tapetes.

segunda-feira, 3 de maio de 2021

OS LIMITES DO ROSTO

Sofro a angustia de ser apenas meu rosto,
quando em mim existem muitos,
na composição  virtual do meu ser mundo,
de saber muitos.

Um eu não  bastará nunca a intensidade de ser, viver e querer.


sábado, 1 de maio de 2021

SOBRE A ILUSÃO DE SI

O drama de Narciso é  a impossibilidade de alcançar sua propria imagem, de se unir a ela amorosamente. Desta forma, ele personifica o pathos da identidade e do complexo do ego.  Ser identico a si mesmo contra o devir do seu proprio existir como corpo, como composição  de corpos, na materialidade de seu proprio acontecimento como vivente, estabelece   a utopia de um corpo imaterial e abstrato como autenticidade . O ideal de si como uma entidade autonoma e portadora de vontade ( livre arbitrio), dotada de voz e potência, é a grande ilusão da subletovidade moderna fundada pelo cogito.