A SOLIDÃO COMO FORMA DE VIDA

Diariamente acumulamos pequenos desastres pessoais, angústias sociais e ansiedades compartilhadas e dissimuladas. Por isso nossos relacionamentos são tão complicados, recheados de absurdos e incomunicabilidade. Por tudo isso convertemos a solidão em um modo de existência, em uma estratégia de sobrevivência.

MATURIDADE

Já não somos os mesmos.
Envelhecemos e nos afastamos.
Agora somos estranhos.
Tudo que vivemos não passa hoje de um desfeito instante,
Um eco distante de uma época boa.
No fundo apenas acordamos do sonho de nossas infâncias.
Provamos do pesadelo da realidade
E nos  perdemos de algumas esperanças.

DUALISMO

Sua presença me inventa outro.

Ela é quase premissa do meu dia seguinte,

Como se o futuro fosse movido pelo movimento de um afeto.

Quem eu sou hoje é essa necessidade de estar perto,

De saber sua companhia.

Inventaremos juntos uma outra vida,

Qualquer novo jeito de suportar o mundo.

ILUSÕES INFANTIS

Não existe idade para o cultivo de ilusões infantis.
As crianças, ao que parece,  são as que menos a cultivam.
Tais ilusões acometem preferencialmente os adultos aferrados a verdades e certezas.
Os convictos, os sabe tudo, os que amam demais, os que acreditam e se consideram essenciais, são essas as vítimas das ilusões infantis.
Tomam suas mais caras fantasias por realidade,
Quase não percebem o mundo.
vivem de faz de conta.
Pensam que a vida está contra eles.
Sabem como tudo poderia ser perfeito.
São uns frustrados inveterados.
Crianças tardias e transfigurada por um coração perverso,
Especialistas na arte de espernear.

AS EFÊMERAS ALEGRIAS DA JUVENTUDE

As raparigas na flor da idade frequentam a imaginação dos rapazes e vice versa. Como poderia ser diferente?  A natureza fala através dos corpos o imperativo da conservação da espécie.

É no pleno vigor da mocidade que mais estamos aptos a felicidade hedonista, aos prazeres da carne que só fortalecem os espíritos livres. Alem disso, é do conhecimento de todos que não há emoção mais sublime do que descobrir as possibilidades do corpo, seus usos mais secretos e suas intensas delícias.

Que sejam felizes os mais jovens em seus arroubos e vigores!

Que não respeitem nenhum limite!

Aproveitem sem moderação , antes que sejam acometidos pelo mal da velhice.

OLHOS DE GATO

Os gatos falam com o corpo.
Principalmente com os olhos...

O mundo é um brinquedo.
A comida um vício.
De muitas maneiras,
Eles ensinam o equilíbrio
Entre o desejo e o gesto.

são leves e elegantes.
Quase sempre assustados,
Constantemente intensos.
Mas o que nos escapa
É a poesia silenciosa dos seus olhos
Que a noite casam com a lua.

SEJA UMA PESSOA RUIM

Já conheci pessoas ruins. Mas nunca conheci ninguém que fosse considerado ruim por todo mundo. A unanimidade é um privilégio de pessoas boas. E elas não são perfeitas. Apenas sabem lidar com cada um conforme lidam com elas. Todos ganham o que pedem. Eis o que define realmente o altruísmo. Pessoalmente, prefiro ser uma pessoa ruim do que agradar a todos. Os pacifistas que me perdoem, mas onde existe vida há conflito.

SOBRE A VIDA E A ARTE

Minha relação com os outros e comigo mesmo é finita e restrita a uma época específica. Possui um tempo e um lugar. Mas minha relação com o mundo, quando intensa, pode ultrapassar qualquer configuração pessoal. 

Escrever-se no espírito das coisas, tocar a nervura do real, não é desvelar o universal, mas a singularidade. Para tanto basta uma modesta expressão de sensibilidade que a arte, em todas as suas linguagens, potencializa. Mas é necessário uma vida inteira de dedicação a si mesmo para alcançar o sublime sentimento de algo que nos ultrapassa. É preciso dedicar-se a alguma coisa que nos faz sentir a vida até o limite de nós mesmos. Chamo de amor este impulso a criação que nos sequestra, que nos rouba de nós mesmos.

O IMPOSSÍVEL DA SOLIDÃO

Ninguém nunca está sozinho. A solidão é sempre povoada por rostos ausentes, sejam eles familiares ou estranhos.
No fundo, o que é desesperador, é a impossibilidade de solidão.

SOBRE O CARINHO

O carinho é a mais elementar expressão do cuidado. Ele é a medida do amor. É também um modo de se expressar, de sentir e se relacionar. 

O carinho é sutil, intenso e silencioso. Reservado à poucos eleitos. Por isso é tão precioso.

O carinho é um modo de estar com o outro em sintonia afetiva. Ele é uma espécie de paz que compartilhada contagia.

O PROBLEMA DO AMOR

O amor, enquanto vocação instintiva entre os seres humanos para construção de laços afetivos, não é uma resposta à qualquer questão ontológica. É antes uma pergunta e uma busca do outro, uma constatação da impossibilidade de psicologicamente qualquer indivíduo existir em si mesmo. 

Biológica e socialmente somos seres relacionais. Seja em relação ao ambiente ou a nossos semelhantes. O amor é o modo pelo qual existimos, a forma como somos perpassados e afetados por tudo que existe.

A ILUSÃO DO BEIJO

A imaginação do beijo vale mais do que o beijo.

Não se iluda. O amor passa, a vida segue. Com o tempo aprendemos a ser sozinhos. 

A solidão é como uma casa que nos habita. É onde existimos dentro de cada encontro.

Não fuja de si mesmo através da ilusão de um beijo.

SOBRE O CUIDADO COM O OUTRO

A melhor maneira de escapar a si mesmo  é preocupar-se com alguém. Quando o outro está no centro de nossa atenção nos envolvemos mais com o mundo. 

O afeto nos transforma e o vínculo nos ultrapassa. Pode não ser este o caminho da tão decantada felicidade, mas certamente é uma forma de ampliar nossa perspetiva, de potencializar nossa miserável existência.

SOBRE O PRAZER DE UMA BOA MÚSICA

Uma boa música é sempre um eco de nossos afetos. Entretanto, ela nos é indiferente. Destina-se a todos e a ninguém. Ela nos arrasta para além de nós mesmos, desperta um gozo impessoal e íntimo.

Toda boa música nos induz a sondar o ritmo primordial da vida na intensidade do seu absurdo, de seu pathos.

EXPONTANEIDADE

Tocar é também um modo de se comunicar. Por isso a intimidade entre duas pessoas é uma experiência antes de tudo física. É decisivo o grau de espontaneidade que nos permitimos diante do outro. E isso nada se relaciona com a sublimação de qualquer componente erótico. Trata-se apenas de liberdade de expressão em seu sentido mais concreto e direto.

O dizer é secundário em um relacionamento. Palavras o vento carrega, como diz o ditado. Mas poder não estar apresentável, comunicar uma dor de barriga, ao outro sem qualquer constrangimento, é o tipo de coisa que aproxima duas pessoas.

DA SOLIDÃO

A solidão é a condição  de nossa existência. Somos um corpo. A companhia de ninguém muda isso. Mas é através da solidão que buscamos o outro. É por causa dela que existe o amor e a amizade. Sozinhos ficamos juntos. As vezes uma vida inteira.

Relacionar-se é antes de tudo um aprendizado de solidão, um frequentar distâncias através do diálogo. Conversamos nossa solidão através do abraço e do beijo. Que outros gestos expressam tão contundentemente o quanto não nos bastamos?

DESPEDIDA

Eu te encontro hoje para te ver amanhã de novo.
Estar junto é despedir-se.

Há sempre uma agonia
Dentro de cada encontro.
Dizemos adeus todos os dias.

Mas amar é querer ficar
Quando se esta de partida.

TENHO SENTIDO SUA FALTA

Tenho sentido sua falta... Dito de outra forma: tenho precisado de você para ser eu mesmo. 

Sei que sua existência esclarece a minha, que nossas diferenças me desafiam. 

Preciso de você para saber a mim mesmo, para explorar meus limites e defeitos, até o ponto de me surpreender outro através deste afeto que nos une e mutuamente transforma.

Entre nós o amor não tem cabimento. Justamente por isso tenho sentido sua falta...

AMOR