sexta-feira, 29 de setembro de 2017

A ONIPOTÊNCIA DO DESEJO

Já diziam os dadaístas que a vida é uma farsa de má qualidade. Afinal, toda realidade não passa de uma quimera e a verdade é uma necessária ilusão, é apenas um estupido artificio humano a estabelecer falsas resposta ao abstrato problema sem solução que é o mundo.

Somos o irracional onipotente da vontade. Viver é compulsão, convulsão, sensação, apetite, desejo. Estamos condenados a esta falta de existência que nos leva ao fora de nós mesmos. Mas não existe o exterior tanto quando inexiste o interior. Tudo é indeterminação, movimento de um desejo absoluto que não me diz  o rosto, mas que me faz seu espelho opaco.
  


CORPO

As exigências diárias do corpo
Ditam o ritmo da vida.
Um corpo que pensa
Na medida que sente,
Em que desconjuntadamente acontece
Em diversos órgãos e processos.
Corpo limitado pelo pensamento,
Que se faz coisa que define o mundo.
Corpo percepção e representação,
Corpo que é
Mais do que o eu

Que através dele acontece.

quinta-feira, 28 de setembro de 2017


GATOS CASEIROS

A companhia discreta de um gato preenche de vida a casa vazia.
Talvez esta seja a melhor maneira de não se sentir sozinho.
Gatos espreitam seus companheiros humanos.
São movidos por uma refinada  curiosidade.
Uma curiosidade que precisamos inventar em nós mesmos.
Afinal, quantas vezes não nos reconhecemos em nossos próprios atos?


sexta-feira, 22 de setembro de 2017

A POLÍTICA COMO AMIZADE


“É possível, sem fazer chorar os militantes de um humanismo edificante ou dogmático, pensar e viver o rigor doce da amizade, a lei da amizade, como experiência de uma certa inumanidade, na separação absoluta, além ou aquém do comercio dos deuses e dos homens? E que política poder-se-ia fundar sobre esta amizade que ultrapassa a medida do homem sem virar um teologema?”
Jaques Derrida


A politica, enquanto arte de inventar uma esfera pública, deveria ser definida pela amizade entre os seres humanos. Amizade não por afinidade eletiva, ou vinculo de intimidade afetiva, mas inspirada por um acordo irracional em torno da sobrevivência mutua. Nada parecido com o mito do contrato social. Falo de alteridade, intersubjetividade e reconhecimento do “nos” através do “eu”. Somos todos vizinhos neste pequeno caroço boiando no universo. Mergulhados em devir, nos inventamos no tempo, mas tudo que temos em nossa perene existência  é a experiência obscura um dos outros. Compartilhamos impressões e sentimentos, um modo comum de experimentar todas as coisas. Somos todos escravos das mesmas vontades públicas.



MATURIDADE

Acreditei em mim mesmo,
Nas certezas que tinha
E nos sentimentos que nutria.

Apostei em sonhos e valores supremos
E como qualquer outro jovem
Me desfiz em fantasias.

Despido diante do mundo
Provei o frio do deserto
Aprendi que a realidade

É uma soma de muitos vazios.

MATURIDADE EMOCIONAL

Já fui suficientemente ingênuo para acreditar nas ilusões que eu mesmo inventava sobre as pessoas. Muitas vezes vi dignidade na vilania e virtude na putaria. No fundo por que queria acreditar no mundo como eu queria e não no mundo como ele é. Todo mundo um dia, principalmente quando jovem, é vítima de tal auto engano.

O importante é que sempre chega o momento amargo de crescer, de ver os outros tal como realmente são.  



AMOR E CASAMENTO

Não existe relação direta entre amor e casamento. Amor é convivência e cumplicidade. Casamento é conveniência e formalidade. Amamos privadamente e casamos publicamente. Por isso não surpreende que haja tanto amor fora do casamento.

Os afetos, entretanto, extrapolam tanto a rotina do amor quanto do casamento. Não se trata de escolher um ou outro. Ambos representam para o individuo uma perda, uma fatal insuficiência de si mesmo.


quinta-feira, 21 de setembro de 2017

NADA A DIZER


Ainda que fosse cedo
Já era tarde demais
Para um beijo.
Tínhamos urgências diferentes
E desejos divergentes.
Por isso fomos breves.
Poucas palavras trocadas
Bastaram para dizer o obvio.
Restava agora partir
Sem mesmo um adeus.


terça-feira, 19 de setembro de 2017

CANSADOS

Ainda que eu a imagine passeando pelo meu dia seguinte, não cairei nas ilusões inspiradas pela sua presença. Sei que você irá embora, que não será a mesma coisa quando eu lhe encontrar novamente. Isso tudo que agora vivemos é só um momento, efêmero e embriagante.


Mas é claro que não temos controle. O dia seguinte pode dizer outra coisa. Mas mesmo assim não seremos o destino um do outro. E o dia seguinte, como o dia de hoje, não significará muita coisa. Um beijo, um encontro, afinal, não significa mais nada hoje em dia. Estamos cansados demais para relacionamentos.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

AMAR E SER AMADO

Amar sempre foi mais uma questão de conveniência pessoal do que propriamente se encantar por alguém. Precisamos ser amados mais do que amar. Eis a premissa de todo envolvimento amoroso. Precisamos de amor, não amar. Qualquer um que entre no jogo é um candidato ao “juntos para sempre”. É claro que “sempre” nunca é eterno. Nos definimos amantes para saber que somos amados. Assim, todos caem na mesma armadilha do amor. Todos amam para serem amados. A mentira funciona.


APENAS ROTINA

Nada diferente acontecerá esta noite.
Será como todas as noites,
Um vazio de novidades
Em um deserto de soluções.
Depois o dia seguinte,
A noite seguinte
E nenhuma resposta.

O chão é a única certeza.

terça-feira, 12 de setembro de 2017

UMA PALAVRA

Uma palavra a toa
dentro da sua boca
me acordou um desejo,
uma vontade de beijo.
Então me rendi ao impulso
De vomitar todos os meus discursos
Quando, no fundo,

Só queria te oferecer meu silêncio. 

segunda-feira, 11 de setembro de 2017


OS GATOS DA RUA AO LADO

Dentro das lojas da rua ao lado
Moram gatos bem tratados,
Pedaços vivos de histórias
Que decoram as calçadas.

São gatos de todos os tipos,
Carinhos e cuidados.
Quase totens domésticos
A proteger pequenos comércios.

Pode-se dizer sobre eles
que habitam mais  as pessoas
do que os lugares.

Em sua discreta presença,
São parte de uma paisagem
Urbana e cotidiana
Que quase ninguém repara

no centro da nossa cidade.

GATOS DE RUA

Gatos de rua pertencem a si mesmos,
Vivem de astucias, sustos e fome.

Públicos e anônimos,
São donos de sua sorte.

Perambulam com dignidade
Pelas ruas,  praças e becos
Ensinando, aos mais atentos  humanos,
Tudo que precisam saber
Sobre sobreviver na cidade.

Gatos de rua pertencem à vida
Que em cada esquina inventa
Uma versão diferente de nossa
Cotidiana existência.


INDECISÃO

Pode ser que não seja possível.
Não se pode ganhar sempre.
Nem mesmo vale a pena tentar.
Sei que todo querer guarda
Um pouco de ilusão.
Melhor não pensar  mais nisso.
Desde o início foi um erro.
Mas se eu estiver errado?
E se for minha melhor oportunidade?



A RECUSA DO AMOR

O amor era um clandestino
No sentimento da gente.
Por isso nos atracamos
E nos afastamos simultaneamente.
Cada abraço,
Cada beijo,
Cada palavra de afeto,
Esbarrava em nossa vontade de pedra
De  não se render a um relacionamento.
Não era nosso destino,
Nem mesmo um acidente.
Era apenas uma covardia que nos definia
Por dentro.
Mas encontrei a mim mesmo
Através da recusa de nós dois.


ILUSÕES

Vivo para o futuro
Me desfazendo em passados,
Me perdendo no tempo de agora.
Faço planos, sonho e invento
Todas as possibilidades do mundo.
Mas no fundo apenas cultivo quimeras
Alimentando meu intimo inferno.


quarta-feira, 6 de setembro de 2017

SONO E SONHO

Enquanto o tempo passa
E a vida segue
Eu me perco em teu sonho.
Sei seu perfume,
Sua voz e sua loucura
Dentro do meu silêncio.
Mas me rendo ao sono
E esqueço
Todas as ilusões que você me acorda.



terça-feira, 5 de setembro de 2017

REPRESENTAÇÕES E SOCIABILIDADES

No fundo vemos os outros como esperamos que eles sejam e não em função de como eles efetivamente se apresentam. Relacionamentos humanos só sobrevivem com uma boa dose de ilusão e ignorância. Esta é uma regra básica para a longevidade de um relacionamento.

Mas é importante que se diga que nos relacionamos muito mal com nós mesmos. Somos dados a vaidade ou excessiva auto estima. Sempre nos vemos como os donos da verdade, senhores de nossas vidas e bem entendedores do mundo.
Os seres humanos são animais muito estranhos.



A SOLIDÃO DE CADA UM

Cada um sabe apenas de sua própria solidão. Somos indivíduos. E como tal estamos sujeitos a nossa cota de incertezas e angustias pessoais. Trata-se de um fato banal e corriqueiro.

Nascemos sozinhos e morremos sozinhos. Somos em uma consciência incerta das coisas. A fragilidade nos define.
Cada um sabe apenas de sua própria solidão. E isso é tudo que importa.