A VIDA É NADA

Não importa os momentos que pesam na memória,

 os laços acumulados nos anos,

os lugares onde habitamos,

ou, ainda, as pessoas que nos definiram um tempo e um cotidiano.

Não importa nada que possa escrever em meus dias uma biografia, uma época ou legado. Pois a morte apaga todos os vestígios, registros, riscos  e ausências. Nada fica do que foi no que será por uns tempos até que o próprio tempo não faça mais sentido. Não importa. Tudo sempre leva a nada. Tudo é ilusão que se desfaz e refaz no que muda e  escapa através de nós até o infinito do nada. A vida, afinal, é apenas nada a  acumular  sobre nada. Só isso. E morrer é menos que isso, é menos que nada ou aquilo.

A LUZ, O FÓSFORO E A ESCURIDÃO

Cada indivíduo é como um fósforo aceso na escuridão.

Brilha brevemente fazendo-se um acontecimento.

Mas todos os fósforos que no escuro se acendem, são um momento deste mesmo acontecimento que sempre retorna ou nunca para de acontecer em um suave equilíbrio entre  luz e sombra.

A luz, afinal, é filha da escuridão e sempre retorna ao seu ventre.

A luz ultrapassa o fósforo, mas nunca transcende a escuridão.

VIZINHOS

Não conheço meus vizinhos.

Nunca me lembro

que existimos no mesmo mundo,

querendo e pensando  coisas parecidas,

em uma sociedade de narcisistas e consumistas.

Tudo que nos importa

acontece no entorno dos nossos umbigos.

Não me importa como pensam ou vivem

meus malditos vizinhos.

Entre nós existirá sempre

uma insuperável distância.

CONTRA O PADRE E CONTRA O PSICANALISTA

O prazer não supera a angústia ou o tédio de ser

nem o desejo cabe no corpo.

Expulsamos o padre e o psicanalista

do teatro da consciência

tal como abandonamos o mito da criação  e de Adão.

O homem, tal como deus, 

não é mais a medida de nossa existência.

Mas uma imagem que desaparece no tempo

sem resistência.

Nossa condição de terrestres é, simplesmente, a sobrevivência.

Pois a vida é acaso e imanência,

processo sem sentido,

que dentro e através de nós 

transforma a matéria.

Nossa existência não se reduz

a prazer, morte e realidade

nem a ilusão de um drama familiar.

Somos feitos de sonhos de liberdade

e da memória do que ainda será.

Somos aqueles que voam com as bruxas

e celebram a fertilidade,

as estrelas e

a igualdade de  todas as formas de vida.

O OUTRO

O próximo não existe. 

Há apenas o desconhecido,

O outro, 

Onipresente,

 Entre o eu e o mundo. 

Um outro singularmente plural

 Que foge ao próprio conceito de outro. 

Sendo todos, ninguém e muitos.

 As vezes nele vislumbro

 o lampejo do meu próprio rosto

e me sinto ninguém.

Pois o outro é sempre um vazio,

uma distância,

um além.

INTIMIDADE

Nossas rotinas misturadas

Não unem nossas existências. 

Não eliminam nossas diferenças.

 Sempre seremos estranhos um ao outro. 

Não importa o que aconteça.

 Cada um terá seu próprio caminho, Seu próprio modo de ser ninguém,

sua forma de querer, envelhecer e morrer.

NO FUNDO DOS OLHOS

Sei o coração no fundo dos seus olhos

dizendo muito mais

do que você é capaz de sentir e expressar.

Afinal, sentir e expressar não dão conta dos fatos,

da consciência das coisas,

dos deslumbramentos e afetos

que as vezes nos arrebatam,

que nos arrastam ao grande silêncio

de uma infinita preguiça

ou vontade de nada.

Sentir e expressar desafiam os limites do pensamento e da vontade

que me surpreendem no abismo do seu olhar.

NOSTALGIA E MELANCOLIA

Quero fugir agora

para um lugar antigo,

perdido no meu passado,

com cores de infância

e formas de sonho,

onde o mundo era um grande brinquedo,

com cheiro de novo e sabor de esperança.

 

Quero fugir agora

para os tempos em que todos estavam vivos

e  eu era selvagem e intenso

como toda criança.

NÃO ME INTERESSA!

Não me interessa qualquer papo abstrato

sobre pessoas e fatos,

ou sobre autoconsciência,

economia, ecologia e Estado.

Não me interessa a sociedade

e o mundo.

Nada disso tem futuro.

A vida é só um quarto escuro

onde a gente agoniza e some

enquanto tudo degrada.