O POSSÍVEL DO AMOR

Guardo um cheiro de vida nova na pele,
Um gosto de banho,
Como se no mais corriqueiro canto da existência
Tivesse acordado um sonho.

Todos os futuros parecem possíveis.
Hoje quase acredito em felicidade.

Mas sei que tudo isso
Não  passa do engano

de um sublime momento.

Você vai embora
E eu volto ao deserto da realidade
Até a ilusão  do próximo encontro.

SIMPATIAS E ANTIPATIAS

Simpatias e antipatias definem nossas convivências, nossa economia afetiva. Elegemos aqueles que nos são mais próximos e estabelecemos distancias em relação a maioria das pessoas que nos frequentam. Isso é o que dá sentido a palavra amizade, a troca de intimidades e compartilhamento de experiências diárias.

Mas há uma boa dose de narcismo em nossas afinidades eletivas. Tendemos a afirmar identidades coletivas através de nossos relacionamentos íntimos. Há pouco de nós em nossas escolhas. Elas estão condicionadas a um certo conformismo sedentário a padrões e etiquetas. Somos copias de copias entre copias de estereótipos sociais.

Em suma, simpatias e antipatias estão longe de serem determinadas por um critério afetivo e expontaneo sem condicionantes normativos.

BOM DIA

Acordo ao teu lado como se não houvesse lá fora um dia.
Tudo é preguiça,
Vontade de inércia.

Juntos podemos fugir do mundo,
Reaver inocências e infâncias.
A cama é o centro de nosso universo.

É cedo demais para ir embora
E tarde demais para acordar.

A VIDA NOS OLHOS

Ela falava com os olhos.
Dispensava a miséria cotidiana das palavras ordinárias.
Sabia afetar, criar ambiências.
Comunicava a própria vida
Através de um gesto.

Tudo nela era a banalidade do extraordinário.

Ela existia na arte de olhar,
De tocar e pegar com os olhos.
Isso a tornava irresistível.

A SOLIDÃO É A ESSÊNCIA DO AMOR

Amo o fato da sua presença.
Gosto deste encontro.
Queria não haver despedidas.

Amar é suportar o outro
E gostar disso.
É não bastar a si mesmo.

O amor está onde não nos suportamos sozinhos.

LETRAS DE SOLIDÃO

VIDA DE CASAL

Considero patético o modo medíocre  pelo qual nos consideramos felizes e realizados.

Há algo de estúpido em ser um casal, uma família, no abstrato deserto de uma existência convencional.

Restritos à lugares comuns e rotinas, nos confundimos com nossos limites e neuroses.

Somos como flores de plástico decorando a sala de uma casa de subúrbio.

AMOR E COBIÇA

O que chamam costumeiramente de amor não passa de uma variação de cobiça. 

Cobiçar o outro é não reconhece-lo como tal em função de um capricho narcisista que só a biologia explica.

Amar não tem nenhuma grandeza. É simples expressão de nossa miséria.

JUNTOS

Ainda que persista em nós o passado,

Sempre seremos futuro.

É o amanhã que nos define,

O que nos faz perenes,

Virtuais e perpetuamente inacabados.

Neste exato momento eu quase existo ao seu lado,

Mas escapo a mim mesmo.

AUTO EXÍLIO

Estou cansado de gostar, de conviver e conversar. Sentir os outros me fere um pouco. Quero solidão e silêncio. Preciso esquecer o mundo para abandonar a mim mesmo. Estou em busca da rica experiência do mais radical anonimato. Nada me leva a nada. Tudo me afasta. Onde eu for quero inventar silêncios.

NÃO EXISTE VAZIO!

FATALIDADE E RELACIONAMENTO

Era apenas um sonho. Mas ouvi sua voz me chamando no fundo do abismo. Soube que estava perdido. Estávamos condenados um ao outro  em um misto de dependência e carência.

A necessidade de alguém é perversa quando a paixão   deturpa sua presença. Mas quem consegue escapar a falsa fatalidade de um relacionamento?

AFINIDADES AFETIVAS

Afinidades surgem entre iguais. É uma relação de conformidade baseada em uma simpatia mutua. Elas excluiem o conflito e nos faz pensar em relacionamentos harmônicos, pois pressupõe como principio a semelhança.

Por tudo isso, afinidades geram relacionamentos onde a homogeneidade predomina sobre a diferença, onde cada um se conforma ao outro. É a identidade e não as peculiaridades de cada individuo que define um relacionamento eletivo por afinidade afetiva.

Tal tipo de relacionamento é o mais comum de se observar no campo social. Também é o mais empobrecido de experiências, o menos enriquecedor.  

DEFINIÇÃO DE CONVIVÊNCIA

É raro o gosto de estar entre os outros.

Normalmente sofremos a presença um do outro,

Nos suportamos.

Mesmo quando existe o vinculo de uma rotina,

Seja ela da escola ou do trabalho,

Apenas nos suportamos.

Suportamos a maioria das pessoas que conhecemos.

Eis a mais franca definição de convivência.