A MARAVILHA DO SEU ROSTO

Meus olhos abraçam seu rosto.

Tentam reinventa-lo como lembrança,

Guarda-lo como uma emoção permanente

No sem tempo do belo.

Mas ele escapa como matéria,

Afirma-se como substancia etérea.

Pois sempre me parece outro.

É como se seu rosto,

Fugindo ao instante,

Fosse varias em insights de falsa eternidade.

Seu sorriso possui mais configurações do que o possível.

E a geografia da sua face está sempre em movimento

Surpreendendo meu olhar indiscreto.

O IRRACIONAL DO AMOR

Para Schopenhauer o amor não passa de um artifício da natureza para garantir a vida da espécie, uma ilusão impessoal que nos arrasta a ficção do estado ingênuo do enamoramento. 

Há de fato pouca realidade no amor. Ele é a projeção e fantasia que nos lança a órbita do outro. Mas nada disso o torna menos essencial ao bem estar individual.

O amor é sempre aquilo que nos falta na exata medida que nos preenche. Ele é o vazio que nos encanta e inspira no abismo da irracionalidade humana.

O AMOR E A VOZ

Nada se compara a acolhedora doçura de uma voz amante. Ouvir o próprio nome ser pronunciado pela boca da pessoa amada é um afago ímpar. 

A voz tem um papel único no jogo amoroso. Falo da voz em si, independente do conteúdo das palavras. A voz como expressão do sentimento é pura música.

ENCONTROS

Estar na companhia de alguém nos leva a experiência da atmosfera de um encontro. Um encontro é, portanto,  uma experiência topográfica. Pois a presença de alguém nos envolve, desperta afetos, pressupõe movimento e um sentimento de tempo. Cada pessoa é uma geografia. Conversar é um modo de explorar o território que é o outro e domestica-lo.

O JOGO ENTRE O SENTIR E O QUERER

O sentir e o querer quase se confundem nas agitações do corpo. Mas onde eu quero, eu não sinto, pois há a ausência do desejado.

O sentir é presença, experiência. O querer, ao contrario, não passa de um vazio que nos preenche como um espectro da coisa desejada.

 O sentir, muitas vezes, contradiz o querer e o estingue como desejo. Infelizmente o querer antecede ao sentir e o reduz a refém de seus caprichos.

SOBRE VER E SER VISTO

Ver e ser visto é sempre uma forma de dizer através do outro o mais profundo de nossas imaginações. Eis a premissa de um diálogo, de um encontro, onde o comunicar-se transcende sempre as palavras. Estar com alguém, compartilhar o mundo, exige no fundo poucas palavras. É um processo qualitativo, uma produção conjunta de subjetividade onde a presença se expressa de forma mais intensa através do silêncio.

SOBRE A ARTE DE VER

O AMOR NÃO TRAZ FELICIDADE

O amor não nos oferece um porto seguro. Ele apenas torna a vida mais complicada.  Amar não é uma resposta para nossas fraquezas e limites. É,  ao contrário, um produto de nossa miséria. Por isso é necessário uma boa dose de desespero para se viver um grande amor. Nunca conheci amantes felizes. Amantes estão sempre negociando com suas frustrações.

A VIRTUDE DAS OPOSIÇÕES

A durabilidade de um relacionamento não depende tanto de nosso vinculo afetivo, mas justamente dos distanciamentos, das indiferenças e, principalmente, das diferenças que definem o próprio relacionamento. 

Seria terrível ter ao nosso lado alguém que fosse inseparável, que não nos permitisse alguma independência ou privacidade. Distinguir-se do outro, não realizar o ideal ilusório de uma cumplicidade absoluta, torna um casal autêntico. Discussões e divergências são sempre inevitáveis e até mesmo saudáveis. 

Um bom amante é antes de tudo um opositor, alguém que escolhemos também para nos contrariar.  

FILOSOFIA DA VONTADE

Não sei direito se quero

Ou se me deixo levar pelo momento.

O fato é que faço,

Que algo acontece.

Sou tanto o sujeito quanto o objeto deste instante.

Sou movimento, afeto.

Definitivamente, querer é pouco.

Amar é louco,

E não sabemos o que fazemos.

NUNCA PRECISEI SER FELIZ

Perdi ainda jovem minhas ilusões de felicidade.

Mas não cresci triste. Busquei efêmeras alegrias.

Soube inventar outras ilusões,

Brincar nas superfícies do vivido

E mergulhar no vazio das coisas
E das imaginações.

Tudo que sofri foi intenso.

Acumulei sorrisos.

Nunca precisei ser feliz.

AMOR PRÓPRIO

Dentro de mim existem vozes e vontades caladas. Potencias, virtualidades indefinidas.
Quem eu sou hoje espero não ser amanhã.
Tento sempre fugir a mim mesmo.
Quero mais do que até agora me foi possível.
Talvez um dia eu me torne o outro que me alucina.

FRASES DE AMOR

Frases de amor já não encantam ninguém.
São tão teatrais, universais,
Que não expressam mais que a ilusão de um sentimento.

O amor não cabe em palavras doces.
Exige atos pequenos e transparentes de simples cuidado.
Ele é frágil, efêmero e sutil.

Frases de amor nada dizem sobre o amor,
Não criam diálogos.

O ENAMORADO

Gostava de seguir ao seu lado.

Apenas me importava saber seu dia,

Pertencer a sua rotina.

Não buscava nada além da banalidade

De estar junto.

Isso era suficiente para colorir a fatalidade da minha vida.

Tudo era como qualquer canção de amor tocada no radio.

Eu seguia seus passos patético e medíocre como qualquer outro tolo enamorado.

Buscava poemas quando necessitava de tratados baratos de psicologia.

AMOR COMO ALTERIDADE

Quando empenhamos afetos em um empreendimento amoroso ficamos presos ao olhar do outro. Ser visto, percebido, apreendido, revela em nós aquilo que podemos ser através do outro. Amar é sinônimo de auteridade. É existir em diálogo em um mundo de surdos e mudos.

A FALSA PREGUIÇA DOS GATOS

Dizem que gatos são preguiçosos. Na verdade eles são hedonistas.Estão sempre buscando prazer, bem estar. Sua elegância característica faz parte desta busca que é seu modo de vida.

Gatos estão sempre experimentando o mundo e as coisas, criando relacionamentos orientados pela economia do prazer mais cotidiano e banal.

AMORES TRISTES

Amores seguem sem sono,

Com fome e sem saúde.

Não tem tido uma vida fácil.

Não gozam de grande prestígio

Em tempos de mágoas e  silêncios.

Amores só conhecem o sofrimento.

CRESCIMENTO

Já chorei, amei, desamei,
Sorri e guardei para ninguém
O amor adolescente que nunca foi possível.

Sei que amar é tatear abismos,
Silêncios e desertos.
Grande parte de mim
Nada espera do amor,
Cresceu entre solidão e silêncio. 
Bebeu do veneno do vazio
Que sabe a existência mais intensamente que a vida.

Hoje tudo em mim é intenso
E distante do amor.

DESABRIGO

Desabrigado sigo sozinho.
Não pertenço a qualquer parte do caminho
Como não frequento a intimidade de ninguém.
Para onde vou, depende do humor do dia.
Nenhum destino me espera.
Existir para mim é estar sempre distante,
Em parte de mim e do mundo.
O desabrigo me define entre os outros.

FUTURO PERDIDO

Aquelas promessas e juras de dias felizes jamais se confirmaram.

Não alcançamos o futuro que nos anunciava.

O mais irônico é que não lamentamos.

Foi bom ter perdido o rumo, as ilusões e os caminhos.

Descobrimos quem não seriamos antes que fosse tarde demais.

NOSSA AMANTE: A SOLIDÃO

Não importa os amores acumulados ao longo da vida. A solidão sempre nos encontra e reencontra. Ela é sempre o nosso destino, nossa revelação mais duradoura. Por isso é preciso toma-la nos braços de modo ardente, como se faz com uma amante exigente.

GEOGRAFIA AFETIVA

Nunca sei direito o momento certo de expandir,

De retrair...

Quando cabe chegar ou quando cabe sair.

As vezes acontece ao mesmo tempo.

Estamos e não estamos,

Nos afastamos e nos aproximamos,

Em um só movimento.

Em relação aos lugares,

Aos movimentos dos sentimentos e afetos
que atravessam os corpos,

Tudo é sempre muito incerto.

DEFINIÇÃO DO ATO DE AMAR

Amar não é um sentimento, é a imaterialidade de um encontro, um desafio, algo que nos contraria.

Eros é ímã possessão, um ato de vida, contra a miséria de nossas vontades.