QUERER NÃO É PODER

Querer é transitivo direto.
É o desejo em seu movimento inerte.

Um afeto que nos capitula e inspira,
Mas ainda não conduz ao ato,
Não cria fatos.

Queremos muitas vezes
O que não podemos.
Pois a vontade não é mais forte
Do que a realidade.

PERDIDO NO QUARTO

Pode ser que eu precise apenas de um pouco de silêncio.

Ficar perdido dentro do quarto com as janelas fechadas,

Pensando em tudo e em nada.

Um pouco de tédio é melhor que os fatos.

Dispenso teorias cientificas,

Livros de auto ajuda e religiões.

Prefiro a vagabundagem de quem não se importa,

De quem não quer fazer parte

Ou, simplesmente, não acredita em coisa nenhuma.

Só quero ficar em paz com o meu silêncio.

DECEPÇÃO

Aquela frase errada mudou tudo.
Revelou-se finalmente o erro dos nossos diálogos.
As palavras não aproximam as pessoas,
Mas estabelecem entre elas ilusões perigosas.
Assim foi em nossa prosa amorosa,
Sempre falsamente despretensiosa.
Até que aconteceu o fora de lugar daquela frase.
De repente todo o sentido do seu egoísmo, dá sua falta de sentido,
Ficou exposto em um silêncio revelador.
Desde de então nunca mais nos tocamos com frases de amor.

SER COMO UM GATO

Queria ter a elegância e discrição dos gatos. Que outras criaturas conseguem combinar tão perfeitamente, introspecção e introversão adequando-se perfeitamente ao meio? Os gatos possuem a rara habilidade de ser entre as coisas, de se misturar a paisagem. As  vezes passam despercebidos de tão enterrados em si mesmos através das coisas.

O LUGAR DO ACASO

É sempre preciso que um pouco de acaso aconteça para que a trajetória de duas pessoas se cruzem em um determinado ponto de vida. 

É preciso que haja um movimento aleatório que produza um encontro, uma zona comum de existência. As circunstâncias pouco importam diante do acontecimento do encontro. A descoberta do outro tem algo de profundamente irracional. É uma eleição que não se explica. É o algo mais que existe em cada pessoa, a atmosfera de um diálogo que transforma uma conversa em um marco do acontecer de um vínculo. Ele pode durar alguns dias ou anos. Mas o encontro, o saber o outro, quando significativo, nos transforma. E tudo não passa de um golpe banal de acaso.

ACIDENTE

Deixei cair qualquer coisa importante.

Ficou ali quebrada no chão.

Para mim o dia terminou com aquela fatalidade.

Depois dela todos os fatos perderam sua substância.

Despenquei das alturas da segurança

E provei a frustração mais intensa.

Mas ninguém percebeu o acontecido.

Tudo parecia normal e banal.

Mas dentro de mim o mundo estava quebrado,

Inútil e aos cacos em um pedaço de chão.

DEPENDÊNCIA AFETIVA

Procurava ouvir de você aquelas palavras que sempre repito a mim mesmo em segredo. Queria que você emprestasse a voz à consciência exilada das coisas que me cobram que eu seja um outro, que me apontam os erros e as limitações.

 Preciso mais da sua desaprovação do que do seu carinho. Nem sempre um relacionamento se faz através do melhor de nós. Muitas vezes ele nos confronta com o que temos de pior e mais medíocre ou limitado.

AFETOS

Afetos são caprichosos e exigentes,

Não se contentam com a realidade.

Exigem demais da gente,

Do outro e da vida.

Não admitem contradições.

É quase impossível negociar com eles.

Afetos exigem uma quase perfeição,
tornam insuportável um relacionamento.

Dispensam fácil seu objeto
quando fracassam as idealizações.

RELATIVISMO EXISTENCIAL

O que me foi muito importante ontem

Hoje não  possa de apagada lembrança.

As vontades, como as certezas,

Sempre mudam com o tempo

E eu já quase não me reconheço

Em minhas diluídas e incertas identidades.

É justo que eu não leve a sério

Os apetites e paixões que me animam.

Ignoro minhas convicções

Como ignoro juras de amor.

Prefiro seguir na companhia de silêncios,

Acompanhado por inércias e abatimentos.

ELA

Ela gostava de coisas pequenas,

De palavras superficiais,

De sentimentos epidérmicos.

Sabia ser simples,

Julgava que nada é profundo.

O raso, para ela era denso,

E ocupava todos os vazios do mundo.

DOS MALES DA INTIMIDADE

Quando duas pessoas cultivam rotinas e diálogos, correm sempre o risco de perder de vez a medida de ser.

Nada é mais inconveniente do que o excesso de vontades, do que a espontaneidade descuidada que brota da intimidade.

As pessoas perdem qualquer brilho quando se tornam evidentes e obvias,

Quando já não oferecem qualquer mistério. São como livros lidos e fechados.

AMOR E SENTIMENTO

Amamos no exercício da tolerância e da alteridade. Basicamente é o que define a saúde de um relacionamento: a capacidade de aceitar as contradições do outro, a irracionalidade que muitas vezes orienta seus atos contra todas as nossas expectativas.

Amamos onde já não somos tão exigentes e as opiniões pessoais contam muito pouco.

Amar é uma vitória do desejo sobre a razão e a descoberta de seu duplo: o sentimento como escolha.

DESCONHECIDOS

Um dia nos dizemos tudo

E nos tornamos nada.

Seguimos a vida

Sem mais palavras.

Sem passados,

Além do tempo,

Nos desconhecemos.

ENCONTRO VIRTUAL

Nossas frases desencontradas

Contrariavam nossos olhares.

Mas não havia nada a ser dito ou feito

Sobre o silêncio de um beijo

Que nos escapava,

Que nos esperava...

Não sabíamos como superar

As distancias que nos separavam.

Permanecemos virtuais um para o outro

Contemplando o abraço de nossas sombras.

O SILÊNCIO

O silêncio não é ausência.
É um modo de estar presente
Mediante o reconhecimento
Do inútil de todos os discursos.
É um conformar-se a si mesmo
contra o jogo das significações.

O silêncio é a opção mais difícil
contra todos os absurdos do mundo.
Precisamos aprender a dizer o silêncio.