sexta-feira, 24 de abril de 2020

SEGUIR EM FRENTE

A gente segue em frente.
Mesmo morrendo por dentro,
A gente segue em frente.
Não por vontade de viver,
Mas pelo imperativo da sobrevivência, 
De querer ver quem a gente ama
Também seguir em frente
Como quem sonha qualquer lugar distante.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

DESENCONTRADOS

Em todas as partes
A gente se encontra,
Se toca,
Se fala,
Se beija,
Se abraça,
E, entretanto,
Nunca sabemos uns dos outros.

Cada um prossegue em seu próprio mundo,
Persegue sua íntima ilusão da intimidade,
Até  o limite da solidão e do vazio de si mesmo.
Seguimos todos  desencontrados.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

ENTRE JANELAS

Da minha a tua janela 
Existe uma ponte
Onde os olhos  passeiam tímidos
Por uma intimidade que nos esconde.

Que segredo nos comunica 
Em nossa falta de horizonte?
O que fazer com a cumplicidade tímida
Que tão  bem denuncia a fragilidade da privacidade,
O inconveniente de nossa agonia doméstica?


domingo, 19 de abril de 2020

MATURIDADE

Quando jovem
Sabia a vida
Como uma vontade de mundo, 
Como uma necessidade dos outros.
Eu não  cabia em mim mesmo,
Em meu próprio desejo.

Hoje,
Não sou mais jovem. 
Não sou mais escravo
De qualquer vontade.
Pouco me importo com o mundo
E quase não me vejo.
Tenho aprendido 
A existir em segredo.

sábado, 18 de abril de 2020

COLONIZAR O OUTRO

Reduzir o outro a um reflexo de nossas próprias  necessidades é  a condição  de qualquer relacionamento afetivo. Por isso o amor é  tão  confundido com um sentimento de posse, com um modo de domínio e poder sobre o outro. Ninguém é  mais autoritário do que um amante empenhado a cultivar e provar seu amor.  

quarta-feira, 15 de abril de 2020

DOS OUTROS QUE NOS POVOAM COMO UM MITO ANTIGO

Quando seremos salvos de nós  mesmos pelo futuro dos outros que nos povoam em segredo? 
Quando será realidade aquele novo dia de qualquer outro mundo, de um outro povo, que crandestinamente nos habita a casa e o corpo? 
Por onde anda o duplo que nos espreita  no avesso do presente, no limite do agora?
Somam -se em nós, em nossa inconsciência,   subterrâneas insurgências,  pluralidades de caos e potências, contra tudo aquilo que nos faz verdade, que nos apodrece em angústias, entre o prazer e o desejo das coisas mudas, entre a fantasia da dicotomia entre sujeito é objeto.
Há algo de insano, de intempestivo e obsceno em nossa imanência, há algo que nos impede de seguir em frente, de continuar inerte no pesadelo do nosso desastroso progresso e agir consciente em caduca razão. 
Somos povoados pelos fantasmas e sombras de  imaginações   selvagens, assombrados pelas siluetas do sem nome que crescem a margem das gramaticas e representações, das ordens, das normas, e das instituições de nossa falida civilização moderna e suas vis  ambições !!
Há uma pluralidade de outros dentro de cada um de nós, um eu impossivelmente absoluto no avesso dos rostos que desaparecem na face etérea  das multidões.
Há uma esperança,  um dizer selvagem que escapa a linguagem, as disciplinas e verdades de Estado e a fantasia de um pacto social nefasto.
Estes outros que nos povoam e nos salvarão  um dia, são os filhos bastardos do nosso prometido amanhã racional,  aqueles que nos arrancarão o chão, a memória, e a tradição,  através de alguma virtual catástrofe global. São  eles os invisíveis semeadores de abismo, os agentes da desmedida e do caos,  cuja relativa  proximidade íntuimos em sonhos, presságios e arte como uma horda de selvagens e marginais. Eles já estão  a caminho do amanhã  no fundo de nós inspirados por Eros e Hades. 




CONTRADITORIO ABRAÇO

Calado busquei seu abraço. 
Não  sentia nada.
Mas meus braços pediam
O alívio de um desabafo.

Em nosso deserto humano e cotidiano 
Buscar companhia
Era a melhor maneira
De se estar sozinho.

terça-feira, 14 de abril de 2020

RECUO

O amor saiu pela porta dos fundos
Envergonhado de si mesmo.
Nada tinha mais a dizer
A vaidade, ao poder,
Ao querer e ao sofrer,
Naquele estranho debate
Entre as coisas que nos faziam viver
Em quase insuportável diálogo.


quinta-feira, 9 de abril de 2020

O ABSOLUTO DEVIR DA SOLIDÃO

Nos falta a capacidade de alcançar  a solidão, 
Este radical estado de vazio e evasão, 
De despenalização do eu pelo mundo,
De liberdade de si e do outro, 
Que nos desfaz em natureza,
Que nos refaz na beleza de simplesmente sentir,
Transcender pensamentos,
E quase inexistir  no fluir e orgia de todas as coisas.
Solidão , afinal, é  escapar a si mesmo.



UM MOMENTO

Entre o desalento e o esquecimento,
Inventei desertos,
Semiei ventos 
E colhi meu lamento
Na brevidade do eterno
Deste cruel momento.

Mas não julguem o sentimento
Que apodrece aqui dentro
Negando a vida em seu movimento.
Não queiram que eu tome tento.

CIDADE DE CARNE E OSSO

CIDADES DE CARNE E OSSO

Talvez os olhos
Sejam as janelas do corpo.
A boca, os ouvidos,
Suas portas;

Assim como a  pele, as paredes,
Do pequeno edifício de nós  mesmos
Na cidade humana....

Talvez, seja impossível,
Estar do lado de fora
E não exista um lado de dentro.

Somos cidades de carne e osso
Plantadas no rosto da natureza,
Em incessante movimento de vida
Em uma paisagem inerte e imperfeita.

Nenhuma cidade é  feita de prédios. 

QUARENTENA

Dentro de casa,
Buscava solidão 
Ainda preso a agonia,
A  melancolia,
De   ser em nós
E depender da sua companhia
Para saber de mim.


sábado, 4 de abril de 2020

INÚTIL ARREPENDIMENTO

Saudades daquele dia perdido , já faz vinte anos, onde algo importante deixou de acontecer, e uma outra vida dobrou a esquina, seguiu sem mim seu destino.

Há muita coisa boa que ficou perdida pelo caminho enquanto eu me ocupava em sobreviver. 

Tem muita coisa importante que eu deixei de viver, que não  pode ser, e alimentou meu vazio, minhas ausências....


quarta-feira, 1 de abril de 2020

O SEGREDO DA VIDA

A vida nunca será perfeita.
Jamais seremos felizes.
Nunca iremos entender o outro,
O mundo, o universo
Ou a nós  mesmos.

Mas nada disso importa.
Eis o grande segredo:
Viver não é  questão  de valor
Ou de conhecimento,
Mas de imaginação, invenção, 
 amor e desprendimento ...